O regresso da Académica ao Jamor traz memórias da final mais histórica da Taça de Portugal: em 1969, em plena ditadura, a Briosa perdeu com o Benfica (1-2) mas deixou o regime a tremer. Eram os tempos áureos da contestação estudantil em Coimbra, que o clube multiplicou por mil e muitos.

A equipa entrou em campo de capas caídas e braçadeira branca, os adeptos levaram a contestação para as bancadas. «Era hábito os jogadores entrarem no relvado a correr. Nós combinámos com o Benfica e entrámos em passo lento. Aquela final não era uma festa», conta Francisco Andrade.

O Benfica venceu com um golo de Eusébio no prolongamento e fez questão de deixar Vítor Campos, capitão da Académica, pegar na taça e mostrá-la aos adeptos. Por concretizar ficou o sonho da equipa: levar a taça para Coimbra e entregá-la a Alberto Martins, líder da rebelião estudantil, em sinal de apoio.

«Imagine tudo isto numa altura em que cinco pessoas juntas já eram uma rebelião, quando a GNR batia em tudo o que mexia, quando o que se passava em Coimbra não saía nos jornais... Todos sentimos que aquilo ia obrigar as pessoas a interrogarem-se e abria uma oportunidade para discutir o regime.»

Jamor: pode a Académica voltar a ser a Académica?

Francisco Andrade não tem por isso dúvidas que o 25 de Abril começou a ser desenhado naquela final da Taça de Portugal. Ou até um pouco antes: mas em Coimbra certamente. «Antes disso já tínhamos jogado de camisola branca, em sinal de luto, em Alvalade, na meia-final com o Sporting.»

O presidente Américo Tomás não esteve no Jamor e tentou ignorar a rebelião que crescia. «O público foi de Coimbra a Lisboa a fazer comícios pelo caminho. A polícia não teve capacidade para parar aquela multidão que se manifestava. Foi ali que se começou a fazer-se Abril, sem dúvida.»

Ora Francisco Andrade era o treinador da equipa e por isso é obrigatório perguntar: a ambição desportiva da Académica como ficava no meio disto tudo? «Para perceber, no dia do jogo não disse uma frase sobre táticas, movimentos ou motivações desportivas», conta o treinador ao Maisfutebol.

«No dia anterior falei-lhes de táticas, naturalmente. Falamos sobre o Benfica e sobre a maneira como devíamos jogar para ganhar. No dia do jogo só lhes disse uma frase, e já foi no balneário. Têm o privilégio, pelo dom que Deus vos deu, de dar voz a um povo que não tem voz. Façam-no.»

Manuel António, do acampamento da tropa para o Jamor

Francisco Andrade lembra de resto que aqueles eram tempos especiais da Académica. Um a um, o antigo técnico lembra o nome de todos os jogadores e o curso que andavam a tirar na universidade. Lembra que eram perseguidos e alguns deles já tinham sido presos: Chipenda, Araújo, Zé Grilo...

Lembra também o dia em que foram chamados a casa do presidente da Comissão Administrativa da Académica e os corredores estavam cheios de polícias da PIDE. Havia jogadores que queriam fugir para o estrangeiro. Jogadores que recusavam defender a autonomia em relação à Academia.

Ora este domingo, de resto, Francisco Andrade vai voltar ao Jamor. Ele que foi jogador e treinador histórico da Académica. Fá-lo como comentador convidado de uma rádio, mas não vai deixar de estar com os colegas dessa Académica que organizam uma caravana para reviver o espírito de 69.

«Vou chegar ao Jamor, fechar os olhos e reviver o filme daquela final e daquela Académica do início ao fim. Vai ser especial», conta. «Vai ser especial para todos nós. Os veteranos vão estar todos juntos, de capas negras ao ombro. Vamos recriar o verdadeiro espírito da Académica.»

Pela frente vai estar o Sporting e outras boas memórias: a Académica venceu os leões duas vezes para chegar a duas finais do Jamor. «Este Sporting não é igual, é mais fraco. Quem sabe não repetimos 69? Estou confiante que vamos vencer. Era a salvação da Académica em vários aspetos.»