Portugal tem das piores taxas de utilização em competição ao mais alto nível de jogadores elegíveis para a seleção de sub-21, entre os países que se qualificaram para o play-off do Europeu. As equipas B melhoraram o tempo de utilização em clubes dos jogadores desse escalão, mas o seu real aproveitameno é baixo nas principais competições, a I Liga e as competições europeias. São dados preocupantes, analisa Alexandre Manuel Correia da Silva, adjunto de Rui Jorge na seleção sub-21, numa tese de mestrado em que aponta também propostas para melhorar a situação. 

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A tese «Caminhos para o futuro do futebol português – análise de diferentes modelos competitivos para a transição júnior-sénior», defendida na Universidade Lusófona, aprofunda ao longo de 200 páginas uma questão que tem como pano de fundo o facto de Portugal ser, de acordo com os vários estudos regulares sobre o assunto, um dos países da Europa com mais estrangeiros e menos jogadores a representar o clube em que se formaram.

O estudo centra-se na principal alteração competitiva dos últimos anos em Portugal, o retomar das equipas B, reativadas em 2012/13 ao fim de seis anos de interrupção. «Ao fim de duas épocas de vigência e a uma época de terminar o período obrigatório de participação dos clubes que as mantêm, este estudo visa verificar o impacto que este modelo teve na Selecção Nacional Sub21 de Portugal que disputou a fase de qualificação para o Europeu 2015», escreve o autor.

Porquê a seleção de sub-21? «Sendo o último escalão das Selecções Nacionais de Portugal antes da Selecção Nacional AA, devemos olhar com particular atenção para tudo o que a envolve no sentido de garantirmos uma continuidade competitiva estável e com perspectivas de desenvolvimento e evolução da principal representante do país no contexto futebolístico, e até desportivo, a nível internacional», explica Alexandre Silva.

A análise começa por defender a importância da competição na fase crucial de evolução dos jogadores, considerando que, «quando devida e previamente estudados, implementados e posteriormente avaliados», os quadros competitivos concorrem «sobremaneira para uma fase de transição de sucesso pelo menos para um número mais alargado de desportistas»: «O tempo de utilização em competição afigura-se como um elemento deveras preponderante para uma melhor transição».

Curiosamente, o estudo começa por observar que o modelo atual das equipas B resulta em «menor percentagem de utilização de jogadores seleccionáveis do que o que existiu no passado, na ordem dos 17,5% a menos». «Diferenças regulamentares estarão entre as causas para esta diferença, no sentido em que actualmente possibilitam uma maior utilização de jogadores não seleccionáveis, algo que não deixa contudo de retractar uma cultura desportiva vigente em Portugal», observa.

Mas também constata que, se no modelo anterior eram utilizados mais jogadores selecionáveis, «esse tempo era garantido numa divisão com estímulos competitivos inferiores ao modelo actual».

Em termos quantitativos, comparando a utilização em clube dos jogadores das quatro últimas gerações de sub-21 em Portugal, a conclusão é que em 2015, o único destes ciclos em que Portugal se apurou para o play-off, houve «uma enorme evolução do tempo total de utilização das qualificações para os Europeus de 2009, 2011 e 2013 para a do Europeu 2015».



Esse aumento, analisa também o estudo, deve-se no entanto muito à utilização dos jogadores na II Liga, através das equipas B, e não se refletiu em mais utilização no nível de topo, ou seja, na I Liga e nas competições europeias: «A média por jogador de tempo de utilização em 1ª Liga manteve-se estável nas 4 gerações, e o tempo de utilização em competições europeias baixou das qualificações para os Europeus 2009 e 2011 para as qualificações mais recentes de 2013 e 2015.»

A conclusão essencial é que a geração de 2015 teve muito mais competição, mesmo que não tenha sido nas principais competições da equipa principal do clube de cada jogador, e que esse aumento se deve essencialmente às equipas B. 

«Os resultados deste estudo apontam para um impacto de enorme relevância e preponderância das Equipas B na Selecção Sub21 de Portugal», diz o autor, para concluir:  «Desta forma, parece evidente o grande, importante e relevante impacto que o modelo de Equipas B para fase de transição júnior-sénior teve no desenvolvimento e evolução dos jogadores da Selecção Nacional Sub21 de Portugal, ficando vincada e sublinhada a importância da manutenção e estimulação deste modelo», conclui. 

A análise passa também pelo impacto das equipas B nos sub-20 e nos sub-19. No primeiro caso, observa «um aumento do tempo total de utilização em clube dos convocados para o Mundial 2013 de cerca de 47% para os do Mundial 2011», sendo que 68,24 por cento desse tempo de utilização foi nas equipas B. Também aumentou a utilização nos sub-19 de 2011 e 2012 para 2013 e 2014. 

«Coincidentemente, ou não, a Selecção Sub19 obteve as melhores classificações nos Europeus da categoria, da amostra considerada neste estudo, em 2013 e 2014 quando foi semifinalista e finalista vencido», observa o autor.

Quantidade sim, qualidade nem por isso

Se o impacto das equipas B em tempo de jogo «bruto» é óbvio, este estudo constata ainda que todos os dados «apontam para uma realidade preocupante a nível da efectiva qualidade da competição e estímulos competitivos a que os jogadores das diferentes Selecções Nacionais Sub21 são expostos regularmente, porquanto os jogadores portugueses apresentam a pior média de utilização em competições europeias das Selecções que se qualificaram para os play-off e o 4º pior tempo de I Liga».

Portugal perde, muito, na comparação com os outros países da Europa, numa amostra que junta as 16 seleções mais bem sucedidas no escalão sub-21 nos últimos ciclos. Ou seja, aquelas que se apuraram pelo menos uma vez para o play-off decisivo nos Europeus Sub21 de 2013 e 2015.






Na comparação com as melhores seleções europeias no escalão, conclui o autor, «a Selecção de Portugal apresenta valores preocupantes no que à utilização, evolução e desenvolvimento dos seus jogadores, ao nível dos seus clubes, nos melhores e mais estimulantes contextos competitivos diz respeito.»

Portugal também fica mal na fotografia quando a comparação é com as Big 5, as cinco grandes ligas europeias, no que diz respeito à utilização de jogadores nacionais. Os dados refletem a I Liga de Portugal «como uma das piores no que à utilização de jogadores seleccionáveis diz respeito, com uma maioria de utilização de não seleccionáveis». São 58 estrangeiros para 42 por cento de portugueses.

A Liga portuguesa «é a 5ª com pior taxa de utilização de seleccionáveis quando a comparamos com os Big5, apenas melhor que a de Itália mas com uma diferença de 19% para os valores da de Espanha», observa ainda o estudo.


Descendo à II Liga, Portugal aparece no quarto lugar, embora a percentagem de selecionáveis suba para 66%. «Só na 3ª Liga de Portugal se encontram percentagens de utilização de jogadores seleccionáveis semelhantes às das Equipas B de países como a Espanha e Alemanha, com algumas das equipas a disputarem inclusivamente a 2ª Liga dos respectivos países», nota.


«Ao analisarmos o número e percentagem de utilização de jogadores Sub21 seleccionáveis e não seleccionáveis na 1ª Liga de Portugal e compará-los com a 1ª Liga dos Big5 garantimos a obtenção de dados de países que são referência internacional actualmente ao nível dos escalões de formação, fase de transição júnior-sénior e, coincidentemente ou não, a nível sénior. Falamos da Alemanha, da Espanha e da França», observa, concluindo: «A 1ª Liga portuguesa apresenta percentagens totais de jogadores Sub21 seleccionáveis inferiores aos 3 países referidos, e em alternância constante com a Inglaterra e a Itália nos países com menores percentagens.»

O estudo encontra nos quadros competitivos parte da resposta, concluindo que modelos como um campeonato sub-21, como em Inglaterra, ou um campeonato sub-19, em Itália, resultam em menor utilização de jogadores selecionáveis. «Acreditamos que uma competição exclusiva para os escalões da fase de transição júnior-sénior só deve ser considerado quando não haja lugar a um entendimento para a criação, desenvolvimento e fomento do modelo de Equipas B», observa, considerando que estas «apresentam mais vantagens para jogadores com idades mais baixas do que os que se encontram na transição júnior-sénior pela via regulamentar, pois possibilita que jovens de 15, 16 ou 17 anos compitam com jogadores 4, 5 ou 6 anos mais velhos, de forma regular e ainda com a possibilidade de pontualmente defrontarem jogadores com diferentes anos de experiência a nível sénior.»

Ainda outro ângulo de análise, a utilização de jogadores sub-21 nos campeonatos, mantendo o critério Portugal mais os Big 5. Em Portugal jogam mais sub-21 estrangeiros do que portugueses. Na época passada, 2013/14, Portugal foi a 4ª Liga com menor percentagem de Sub21 seleccionáveis.




A análise destes dados leva o autor a reforçar a ideia de que as ligas de França, Espanha e Alemanha são «as referências a estudar e seguir na adopção de políticas de aposta, formação e desenvolvimento dos jovens futebolistas seleccionáveis em contextos de elite.»


«A cultura joga aqui um papel fundamental. Comparativamente com as grandes potências aqui referidas, Alemanha e Espanha principalmente e também a França, estamos a uma distância considerável de garantir e prover melhores estímulos competitivos de alto nível aos nossos jovens jogadores, comprometendo desta forma o futuro das Selecções Nacionais», sintetiza o autor.

«Foi dado um passo extremamente importante, até vital, com a renovada implementação do modelo das Equipas B. Contudo, acreditamos estar ainda longe do potencial desejável e observável noutros países», defende ainda, concluindo a sugerir que são necessários mais estudos «que visem compreender como se desenvolve a carreira dos futebolistas que atingem a elite como seniores, e que o próximo passo dessa investigação deve ser «o estudo e análise dos quadros competitivos em função do tempo efectivo de competição que possibilitam aos jovens futebolistas».