Quando a bola conduzida por Pierre Littbarski tombou no pé direito de Jaime Pacheco, Harald Schumacher estava descansado. Aborrecido até, ensonado pela falta de trabalho.

Quando a bola controlada por Carlos Manuel, sempre em progressão, cruzou a linha de meio-campo, o guarda-redes da Alemanha permaneceu tranquilo. De braços caídos e olhar distante.

Quando a bola driblada por Carlos Manuel, da esquerda para a direita, olhou apaixonada a baliza da Mannschaft, ninguém acreditou na relação entre ambas. Schumacher estava descansado e assim ficou.

Quando a bola rematada por Carlos Manuel, a uns bons 30 metros, voou em direção ao ângulo superior esquerdo e beijou as redes, com a devoção da mais quente das amantes, Schumacher nem pestanejou.

Mini-Euro2012: aqui Portugal já arrumou a Alemanha

Pensava, tal como o narrador da televisão, que o pontapé saíra ao lado. Enganou-se.



«Sim, foi mesmo um milagre», desabafa, 27 anos depois, ao Maisfutebol o ex-guarda-redes da Alemanha. «Nem a vi a bola. Foi um remate feliz. Sinceramente, não estava à espera daquele pontapé».

Schumacher estava descansado. Não acreditava em milagres. Carlos Manuel, provavelmente, também não. Outubro de 1985, Estugarda. Contra a unanimidade das previsões, Portugal venceu a toda-poderosa Alemanha e qualificou-se para o Mundial do México.

À beira disto, o jogo de sábado, em Lviv, é uma história de argumento simples, linear, acessível.

«Fiquei danado por perder com Portugal»

Harald Toni Schumacher nunca foi conhecido por ser bom rapaz. Aos 58 anos é vice-presidente do Colónia. Aparou os caracóis típicos dos 80's, mas mantém a excentricidade no discurso.

«A RFA nunca tinha perdido em casa nas fases de qualificação. Fiquei danado. Para mim, Portugal fez o impossível. Ainda faltavam 30 minutos e fomos incapazes de marcar um golo», lamenta o antigo guardião.

«Nessa noite Portugal teve toda a sorte do mundo: o Bento fez uma exibição perfeita e os postes ajudaram pelo menos três vezes. Foi difícil aceitar essa derrota, honestamente».

«Rui Patrício impressionou-me»

No ano seguinte, durante o Mundial, Portugal fez uma triste figura e a Alemanha foi vice-campeã. «Lembro-me de cada segundo do torneio. Foi fantástico chegar à final e dramático perdê-la». 3-2 para a Argentina de Maradona.

Para Schumacher, a diferença entre a Alemanha e Portugal é atualmente «muito pequena». «Portugal tem uma grande equipa, extremamente técnica e, claro, o grande Cristiano Ronaldo. Tem de ser bloqueado de qualquer maneira. Já não acredito em milagres. O melhor vai vencer», prognostica o velho internacional alemão.

E o que achará Schumacher dos dois guarda-redes envolvidos? Rui Patrício e Manuel Neuer. «Até há pouco não conhecia o Rui. Vi alguns jogos dele e impressionou-me. É um guarda-redes muito seguro e de grande futuro», elogia.

Sobre Neuer, Harald Schumacher vai mais longe. «É um dos melhores do mundo. Está ao nível de Sepp Maier e Oliver Kahn. Merece ser titular da Alemanha. Confio muito nele».

FICHA DE JOGO:

16 de outubro de 1985, Estugarda (Alemanha)

Árbitro: Keith Hackett (Inglaterra)

ALEMANHA: Harald «Toni» Schumacher; Ditmar Jakobs (Heinz Grundel, 46), Matthias Herget, Karl-Heinz Forster e Andreas Brehme; Hans-Pieter Briegel, Thomas Berthold, Karl Allgower e Norbert Meier; Pierre Littbarski (Thomas Allofs, 63) e Karl-Heinz Rummenigge.

Selecionador: Franz Beckenbauer

PORTUGAL: Bento; Veloso, José António, Venâncio, Frederico e Inácio; João Pinto, Carlos Manuel (Litos, 81), Jaime Pacheco e Mário Jorge; Fernando Gomes (José Rafael, 86).

Selecionador: José Torres

Recorde o «milagre» de Carlos Manuel: