«Fui do céu ao inferno em três meses». É assim que Luís Torres descreve aquilo que lhe aconteceu recentemente. No final de Junho o jogador português assinou pelo Hapoel Beersheva, mas a proximidade da Faixa de Gaza fez com que a família vivesse ameaçada pelo conflito israelo-palestiniano. No início de Setembro decidiram regressar a Portugal, mas o ala direito não conseguiu encontrar clube na reabertura do mercado. Aos 32 anos viu-se obrigado a aceitar um emprego como vigilante, numa empresa privada, para pagar as contas.

«Sou um homem de luta, e tenho de suportar a família. Procurei uma alternativa. É completamente diferente: trabalho por turnos, muitas vezes de noite. Sinto-me injustiçado e frustrado, mas também útil à sociedade. A minha família é o mais importante», disse o antigo jogador de Atlético, Estoril e Trofense, ao Maisfutebol.

Torres nem queria ir para Israel. A intenção era voltar para junto da família, que não o tinha acompanhado nas três épocas em que esteve no Chipre (DOXA e Ethnikos Achnas). Mas poucas ou nenhumas portas se abriram em Portugal, e o ala direito decidiu aceitar a proposta israelita, financeiramente aliciante. «As condições de trabalho eram muito boas. E como o contrato de dois anos era bom, a minha esposa despediu-se do trabalho e tirámos a nossa filha da escola», explica.

Do quarto blindado ao sustento alternativo

A família junta-se ao jogador no final de Julho, mas pouco depois a vida quotidiana transforma-se em pesadelo. Em meados de Agosto registam-se vários ataques a veículos civis israelitas, junto à fronteira com o Egito. O governo de Benjamim Netanyahu decidiu então bombardear a Faixa de Gaza, mas isso motivou também uma resposta. A cidade de Beersheva, situada a apenas 40 quilómetros do território palestiniano, tornou-se alvo preferencial.

«Houve um míssil que passou mesmo por cima da minha casa, e caiu a 150 ou 200 metros. O sistema antimíssil dá conta de dois ou três, mas não quando são dez ou quinze ao mesmo tempo», recorda. «Quando se ouve o alarme, temos um minuto para ir para o quarto blindado que todas as casas têm. Os israelitas reagem com naturalidade. Eles nascem, vivem e morre naquele cenário. Mas aquela guerra não era minha», acrescenta o jogador.

Torres e a família chegaram a ter de fugir para Telavive, por sentirem a vida em risco. Na segunda vez que isso aconteceu decidiram voltar para Portugal. «Pedi a rescisão. Só queria o bilhete para ir embora, mais nada. Mesmo depois a minha filha atirava-se para o colo da mãe sempre que ouvia uma sirene», revela.

O jogador procurou um clube para representar a partir de Janeiro. Recebeu duas sondagens da Liga de Honra que não se concretizaram. Sem direito a subsídio de desemprego, teve de procurar outra forma de sustento. «Para voltar a jogar tem de ser algo realmente bom, para largar este trabalho que foi tão duro conseguir. Tenho consciência de que é muito difícil, mas vou tentar na próxima época», afirma.

Torres espera agora que aquilo que lhe aconteceu «sirva de exemplo» a outros jogadores. «Devem valorizar-se através dos estudos. Um dia estamos bem, no dia seguinte já não. Eu deixei a universidade quando fui para o Chipre. Estava a tirar Gestão Desportiva. Esse curso vai ter de ser feito, mais tarde ou mais cedo. Gostava de continuar ligado ao desporto», diz ao nosso jornal.

Veja imagens dos ataques a Beersheva, em Agosto: