A história de Salvatore Schillaci cumpre os requisitos necessários para se tornar um êxito de bilheteira em qualquer cinema. É a narrativa de um rapaz pobre, paupérrimo, apaixonado por futebol e não especialmente dotado. Um rapaz de olhar inflamado, amante de corridas desvairadas e obcecado pela baliza. Um rapaz que teve direito aos seus 15 minutos de fama.

Salvatore, Totò, intrépido siciliano, caminhava vorazmente para o anonimato. Até que alguém se lembrou que toda aquela paixão pela bola podia dar jeito à squadra azzurra. O seleccionador Azeglio Vicini convocou-o para o Campeonato do Mundo de 90, perante o espanto e a indignação do país futebolístico.

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Andrea Carnevale, Roberto Baggio, Gianluca Vialli e Aldo Serena, porém, condenavam Schillaci à condição de mero figurante. Estava no Mundial, é certo, mas teria sorte se alguma vez chegasse a sair do banco de suplentes. Saiu. Saiu e marcou seis golos. Foi o melhor marcador do Itália90 e o ópio do povo transalpino naquele esfusiante início de Verão.

«Fui Deus por um mês», diz, em entrevista ao Maisfutebol, 20 anos depois de ter desafiado as mais rígidas regras da probabilidade.

«Só os golos no Mundial me deram credibilidade»

A esta distância, é seguro afirmar o óbvio: Schillaci não era o homem certo, mas soube estar no lugar certo, à hora exacta. A sua carreira, antes e depois daquele inesquecível Itália90, raras vezes se desviou da banalidade. Durante um mês, porém, provou que o sonho pode comandar a vida.

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Primeiro, aproveitou a lesão do intocável Carnevale. Atirado para os últimos 14 minutos do jogo com a Áustria, resolveu a peleja. «Marquei na primeira vez em que toquei na bola», recorda, ainda surpreendido pelo contacto de um jornalista de Portogallo.

O momento infértil de Vialli precipitou a chamada à titularidade. Estávamos no terceiro jogo. Fez dupla com Roberto Baggio e o conturbénio gerou a vitória: 2-0 à Checoslováquia, um golo para cada. O cheiro a pólvora seca era como o hálito da glória. A selecção de Itália encontrara um pistoleiro mortífero, inopinado.

«Ao segundo golo comecei a ser levado a sério. Tinha ganho a Taça UEFA e a Taça de Itália pela Juventus, embora soubesse que isso não significava nada para os tiffosi e para os meus colegas. Só os golos no Mundial me deram credibilidade. O futebol é assim.»

«Soube a pouco, mas soube bem»

As noites mágicas de Totò Schillaci não pararam por aqui. Mais um golo ao Uruguai nos oitavos-de-final e outro à Rep. Irlanda nos quartos. O conto de fadas, belo e efémero, avançava incessante. Salvatore tornou-se o paladino da ambição de um país.

Só o futebol bizantino da Argentina interrompeu a marcha triunfante da Itália. Schillaci voltou a fazer das suas, apesar da derrota nas meias-finais. Na despedida, um golo mais, diante da Inglaterra.

«O mais belo dos seis? O que anotei contra o Uruguai. Sinceramente, não era tão mau como diziam e não era tão bom como me quiseram fazer. Tudo me correu bem no Mundial. A confiança pode fazer milagres.»

A peça acabou, o pano desceu sobre Totò, o herói italiano dos 30 dias. Schillaci nunca marcara qualquer golo pela azzurra antes do Itália 90 e fez apenas um após essa prova.

«Fui Deus por um mês. Soube a pouco, mas soube bem.»