Tour de Timor 2015Etapas 2 e 3Ontem terminamos a etapa na costa sul de Timor, Betano. Segundo dizem é onde existem...

Posted by Celina Carpinteiro on  Tuesday, 15 September 2015



Agora que voltou a Portugal, Celina Carpinteiro já descansou as pernas e as emoções. Mas quando chegou a Laclubar, município de Manatuto, a campeã nacional trazia na expressão a dureza da primeira etapa do Tour de Timor 2015, realizado entre os dias 13 e 17. Para trás, tinham ficado não só os 110 quilómetros de «estrada» que lhe levaram 4h31m43s a percorrer, as vistas bonitas de metade do caminho que vai para Baucau, mas, sobretudo, os 2.336 metros de subida acumulada entre Díli e Laclubar. Celina foi, obviamente, protagonista (e vencedora) de uma das provas de BTT mais duras do continente asiático, na qual até se «importam» médicos da Austrália para cuidar de toda a gente. Mas aquela professora de Ciências e os outros ciclistas não foram figuras únicas neste Tour feito de hospícios, frades, agricultores australianos, os incríveis timorenses e desafios constantes para o corpo, a mente e a memória.

Celina Carpinteiro, Valério Ferreira e David Belo viajaram de Portugal para, ao fim de meio mundo, chegarem a Díli. A prova começou no domingo e nas vésperas do arranque, numa volta pela capital em modo treino, uma microlet (carrinha que serve de transporte público) atropelou-os. As marcas ficaram, mas não impediram que este trio algarvio fosse o principal animador da competição, em conjunto com um australiano obstinado a chegar inteiro ao trabalho, na segunda-feira seguinte.
 
 

Tour de Timor

Posted by Maisfutebol on Terça-feira, 22 de Setembro de 2015


Autor do vídeo: David Belo

O Tour de Timor 2015 teve 395 quilómetros no total e um acumulado de subida de 8.272 metros em cinco etapas. Soa a duro. De carro pareceu duro. Pelos vistos, é duro: «É o mais difícil que fiz em termos de subida», contou ao Maisfutebol o australiano Craig Cooke, vencedor da prova deste ano e que, quando não anda de bicicleta (o próprio coloca-se no top 10 do país), pilota aviões entre Perth e a costa Este da Austrália. «As descidas também são perigosas, quero sair daqui inteiro, na segunda-feira trabalho», sorriu o participante mais rápido de 2015, com uma vantagem de oito minutos para David Belo (2º). O português vestiu a amarela nas etapas 2,3 e 4, mas sucumbiu na derradeira. Sagrou-se Rei da Montanha, no entanto, e com os restantes algarvios e ainda Bernardino Machado levou a BTTLoulé-BPI/Extremo Sul/Timor Telecom à vitória por equipas.

Classificações do Tour de Timor

Com um sorriso foi também o modo como o Irmão Adelino recebeu no hospício de Laclubar o grupo de oito ciclistas portugueses que Celina, Valério e David incorporara. «Sou o que em Portugal se chama de frade!», explicou este alentejano, enviado pela irmandade São João de Deus para um remoto local de Timor Leste para ajudar doentes mentais (os traumas de um passado violento são ainda muitos entre a população, garante). De 14 para 15 de setembro, podem tratar-me apenas por Adelino tratou do jantar, de abrir a água (quente!!!) às 4h30 da manhã e do pequeno-almoço, tomado meia hora depois porque aqui ou se pedala cedo ou o calor não se aguenta.



Foi o melhor sítio que os ciclistas tiveram para repousar, a par de um hotel em Betano, construído por outro malae, um agricultor chamado Brian, australiano que há 14 anos vive entre timorenses, que se enamorou de uma e dela teve um filho: a mulher e o garoto «vivem em Díli onde as escolas são melhores». Falamos, ainda assim, deste pequeno grupo de oito ciclistas, porque a centena restante dormiu em tendas, no chão de escolas ou outros edifícios que o estado tem espalhados por aí. Soa a duro e deve ser duro. Afinal é apenas chão.

Para além do corpo, sofre a mente. Gente habituada à vida ocidental tem muitas vezes de dormir e cumprir outras necessidades básicas em sítios básicos, num país onde o básico pode chegar a ser requinte. Onde os banhos, por exemplo, se tomam de púcaro e água fria: não seria grande problema na costa, já no meio das montanhas...A mente torce-se, contorce-se, mas lá se faz à vida e afinal é apenas um balde de água fria pelo corpo abaixo que, quando se dá conta, já passou. Até ao dia seguinte, quando os olhos informam à mente a imagem que ali tem.



Ao lado da companheira Celina, Valério Ferreira já fez o Cape Epic, o Brasil Ride e o Titan Desert, provas conhecidas de quem segue o BTT. «Para o Tour de Timor é preciso um espírito diferente, uma mente aberta. É um Tour exótico», referiu no final do dia 4, em Hato-Builico, sopé do Monte Ramelau, outrora o ponto mais alto do Império Português.

Este exotismo desafia a memória. Porque há coisas que só esta fotografa e porque em cima de uma bicicleta, em competição, o tempo urge. Porque aqui o terreno é sempre instável, porque subir custa demasiado para gravar o que quer que seja numa gaveta do cérebro e porque descer é rápido e perigoso.
 
 

Tour de Timor

Posted by Maisfutebol on Terça-feira, 22 de Setembro de 2015


Autor do vídeo: David Belo

«Este Tour é um mundo diferente, diria que é único pelo percurso e pelas paisagens», diz Celina, no final de um dia em que terminou a etapa a sorrir às crianças. Elas, com uniformes escolares nos dias úteis, ou com as camisolas de futebol ao fim de semana, dão ainda mais colorido ao Tour de Timor. Os miúdos são os de olhar mais curioso, mas homens e mulheres adultos e os muito velhos também se colocam na beira da estrada, com olhar de espanto.



Espanto causam também os timorenses desta corrida. Funcionário da Timor Telecom, Jacinto da Costa, vencedor entre os locais, treina por vezes quando vai vender pulsa (carregamento para saldo no telemóvel). Há ocasiões em que sai de Díli, apanha o barco para a ilha em frente à capital (Ataúro) e faz o dia de trabalho em cima da bicicleta. Aliás, a família de Jacinto esteve em peso no Tour. A mulher correu, a irmã e o irmão correram e a cunhada também. De todos, o maun Orlando foi o único que não teve descanso no final de cada etapa. Mal saiu da bicicleta, teve de ajudar o Simão, um português de Sintra, mecânico da prova. Coisas da vida de timorense, um povo que, como Portugal inteiro sabe, habituou-se a resistir à adversidade. E o Tour de Timor tem muitas. Por isso, todos aqui são campeões. Desde a imbatível Celina ao australiano de barriga de cerveja George Paterson, que aos 63 anos viajou da Indonésia e só terminou duas etapas: a segunda e a última. Muito provavelmente, mais duas do que quem escreveu e leu este texto acabariam.