O luto é transversal a adeptos, jogadores, dirigentes e clubes. Foi assim com Davide Astori, a quem Florença e a Itália disseram até sempre ao longo destes dias, com as mais diversas homenagens: coroas de flores e cachecóis à porta do estádio, a camisola 13 retirada, milhares nas cerimónias fúnebres. Depois há o regresso da equipa ao trabalho e a reação à tragédia dentro das quatro linhas. A Fiorentina irá agora voltar a entrar em campo depois de se despedir de Astori. O Maisfutebol recordou onze casos de jogadores que faleceram este século, no decorrer da carreira. Fehér e Enke, nomes sonantes no futebol nacional, e mais recentemente, Junior Malanda e Cheick Tioté, são alguns exemplos. E conversou com Jorge Silvério, psicólogo desportivo, para perceber como se lida com uma situação destas.

Jorge Silvério reconhece que «o falecimento de alguém, numa circunstância em que não se está à espera, tem sempre consequências negativas».

O exemplo da equipa do Hannover em 2009 é o mais vincado. Com apenas 32 anos, o guarda-redes Robert Enke, que em Portugal representou o Benfica, pôs fim à própria vida depois de vários anos a sofrer de depressão.  Após o falecimento, o emblema alemão perdeu 11 dos 12 jogos que se seguiram. O Hannover só voltou a vencer em cinco ocasiões nessa temporada. A equipa comandada por Dieter Hecking sobreviveu, por um ponto, à despromoção.

Num caso bem mais próximo dos portugueses, o dia 25 de janeiro de 2004. A tragédia caiu sob a equipa do Benfica quando o coração de Féher parou em Guimarães. O húngaro caiu inanimado no relvado, vítima de uma paragem cardíaca, e não voltou a erguer-se. O balneário ressentiu-se e o Benfica apenas venceu duas partidas nas cinco que se seguiram, empatando duas e perdendo numa ocasião.

Em relação a Astori, Jorge Silvério acredita que o trabalho será feito no sentido de evitar casos como estes. «Tanto quanto sei a Fiorentina já tinha um psicólogo e contratou agora outro. O trabalho será feito para o grupo se unir, e, de alguma forma, dedicar o resto da temporada para homenagea-lo».

Jorge Silvério, que já lidou com situações semelhantes, admite que os resultados dentro das quatro linhas podem melhorar: «Se for este o caminho, pode galvanizar os jogadores para que o rendimento seja ainda mais positivo do que tem sido até agora».

Esse foi o caso da equipa do Wolfsburgo, que levou para o campo a vontade de orgulhar a memória do colega de equipa, Junior Malanda, que faleceu durante a pausa de inverno da Bundesliga em 2014/15, vítima de um acidente de viação. A equipa de Dieter Hecking foi vice-campeã, e conquistou a Taça, que dedicaram ao belga.

Para o psicólogo, uma coisa é certa: «É preciso tempo. Há pessoas que demoram mais no processo de luto e precisam de um acompanhamento especial. Nos jogadores mais próximos do Astori, pode ser mais complicado, e necessário um processo mais individualizado», disse em declarações ao Maisfutebol. «As fases de luto dependem de jogador para jogador, são diferentes em função de cada um, da experiência e da relação com a pessoa falecida».

Para lá dos golos e dos resultados, é preciso tempo. E guardar a memória de Astori. As palavras bonitas de quem conviveu com o central imperam sobre qualquer estatística fria e crua. 

Astori fará falta. À filha que deixa, a toda a família, mas não só. O mundo do futebol despediu-se esta quinta-feira de um dos seus. Uma tragédia que deixa o futebol um pouco mais pobre, e que levou Astori cedo de mais.

De Enke a Féher, a reação depois da tragédia:

Robert Enke: Enke suicidou-se em 2009, depois de vários anos a sofrer de depressão. O Hannover perdeu 11 dos 12 jogos que se seguiram. 

Miklós Féher: Féher sofreu um ataque cardíaco ao minuto 93 num jogo em Guimarães em 2004. Nos cinco jogos que se seguiram, o Benfica venceu dois, empatou outros dois e perdeu um;

Patrick Ekeng: O camaronês, vítima também de um ataque cardíaco, colapsou no relvado no último jogo da temporada frente ao Viitorul Constanta em 2016. O Dínamo Bucareste perdeu o último jogo da época, a final da Taça frente ao Cluj;

Antonio Puerta: O Sevilha perdeu quatro dos cinco jogos seguintes ao falecimento do espanhol, que sofreu um ataque cardíaco no primeiro jogo da La Liga frente ao Getafe em 2007. O jogador tinha sido titular na vitória do Sevilha na Supertaça frente ao Real Madrid. 

Gregory Mertens: Também vítima de uma paragem cardíaca aos 24 anos num jogo entre as reservas em 2015, o Lokeren perdeu dois, empatou um, e apenas venceu numa ocasião nos cinco jogos que se seguiram;

Piermario Morosini: O italiano faleceu em campo, num jogo da Serie B entre o Livorno e o Pescara em 2012. O Livorno perdeu os 4 jogos seguintes;

Serhiy Perkhun: O guarda-redes ucraniano chocou com Budun Budunov do Anzhi em 2001, e não resistiu às lesões, depois de dez dias em coma. O CSKA perdeu dois e empatou outros dois jogos, nas quatro partidas que sucederam o falecimento;

Junior Malanda: O jovem belga faleceu vítima de um acidente de viação em 2015. 17 jogos na segunda metade do campeonato: 10 vitórias, 5 empates, apenas duas derrotas, e a Taça conquistada, dedicada ao médio pelo Wolfsburgo.

Cheick Tioté: O costa-marfinense tinha-se juntado recentemente ao Beijing Entreprises, da segunda divisão chinesa. O clube disputou 18 jogos após o seu falecimento: venceu 8, empatou 3 e perdeu 7.

Mark-Vivien Foé: Os Camarões perderam a final da Taça das Confederações frente à França em 2003, depois de Foé ter caído inanimado durante a meia-final da competição. 

Daniel Jarque: faleceu ainda na pré-época em 2009, vítima de um ataque cardíaco, e foi encontrado morto no quarto de hotel da equipa, num caso em tudo similar a Astori. O Espanyol fez uma época tranquila, garantindo a manutenção, apesar das duas derrotas a abrir o campeonato.