A morte chegou num domingo de manhã, em Madrid. Chegou duas horas antes de um At. Madrid-D. Corunha que estava marcado para as 11h, depois de uma batalha campal previamente marcada entre gente que se diz apoiante de um dos clubes. O jogo aconteceu, os responsáveis do futebol espanhol trocaram desculpas para justificar porque não o suspenderam e prometem medidas. A violência de volta de forma brutal aqui ao lado, na que foi a nona morte relacionada com o futebol em Espanha nas últimas três décadas. 

Morreu Francisco Javier Romero Taboada, um homem de 43 anos que estava ligado à claque Riazor Blues. Chamavam-lhe Jimmy, caiu ao rio Manzanares e ainda o resgataram com vida, sofrendo de um traumatismo craniano, hipotermia e em paragem respiratória. Foi reanimado no local, mas viria a falecer no hospital.

Enquanto Francisco Taboada se debatia entre a vida e a morte, no Vicente Calderón jogava-se. Da bancada fundo sul, onde costumam estar os ultras do Atlético, começaram a ouvir-se cânticos de apoio à equipa mas, relata a crónica do «El País», a maioria dos adeptos no estádio não os acompanhou. Começaram a ouvir-se assobios para que se calassem, que se tornaram mais fortes. E o jogo decorreu num ambiente estranho, mais silêncio do que de costume.

Cá fora contavam-se danos. Houve mais dez feridos, alguns com armas brancas, outros com golpes na cabeça, entre os quais um polícia. Duas pessoas foram atiradas ao rio, uma delas o adepto que faleceu. Estavam armados com paus e barras de ferro e as testemunhas descrevem um cenário de guerra. «Pensávamos que era uma manifestação, mas qual não foi a nossa surpresa quando vimos que do outro lado do rio estavam dois grupos em confronto. Começaram a provocar-se, a atirar petardos e a lutar com paus, com pedras, ao murro», descreveu um rececionista de hotel ao jornal «Voz de Galicia».

A polícia deteve 24 pessoas, ligadas a várias claques, tendo identificado ainda uma centena de pessoas. Duas delas nem são supostamente afetas a nenhum dos clubes em jogo: os Bukaneros dizem-se adeptos do Rayo, os Alkor Hooligans do Alcorcón.
  No meio disto, jogou-se. A Liga espanhola emitiu um comunicado a garantir que quis suspender a partida, mas não conseguiu falar em tempo útil com os responsáveis da Federação, que é quem detém o poder para tomar uma decisão dessas.

Jorge Perez, secretário-geral da Federação, admitiu na Cadena Ser não ter visto em tempo útil que tinha recebido chamadas telefónicas do presidente do Comité de Árbitros e também do presidente da Liga. Diz que quando a Federação tomou conhecimento do que se passava faltavam 11 minutos para o pontapé de saída, e já não era possível fazer nada: «Com o estádio cheio e a faltar pouco tempo, por motivos de segurança e ordem pública considerou-se que podia ser contraproducente suspender o jogo.»

Na sala de imprensa, os dois treinadores disseram que não se inteiraram da dimensão da situação, e que nunca lhes foi colocada a hipótese de suspender o jogo. «Eu estava concentrado no jogo. Tinha o jogo como prioridade e não sabia o que se tinha passado», disse Diego Simeone: «Este é um problema social, não do futebol. São pessoas que são adeptos de um clube, mas é a sociedade.»

Victor Fernandez, o treinador do Depor, levantou-se da cadeira, visivelmente abalado, depois de dizer isto: «É lamentável, vivemos numa sociedade onde há muita crispação e desigualdade, não entendo isto.»

Os responsáveis dos dois clubes defenderam por seu lado que não têm qualquer responsabilidade no que se passou. «Quem provocou a tragédia não são adeptos de futebol, são grupos radicais e o Atlético e o Deportivo não têm nada a ver com eles», disse Enrique Cerezo, presidente do At. Madrid, enquanto Gil Marin, conselheiro-delegado do clube, dizia isto, enquanto pedia que se identificassem os responsáveis: «Não sou eu que pode dissolver a Frente Atletico.» Tino Fernandez, o líder do Depor, apelava por sua vez à calma: «Nos clubes temos que atuar com calma e, na medida em que pudermos, lutar contra isto.»

O jogo estava classificado como de «baixo risco». E as autoridades espanholas assumem que foram apanhadas de surpresa pelo que se passou, que terá sido combinado através do Whatsapp, uma rede social mais difícil de monitorizar, defendem.

Foi essa a explicação dada pelo ministro do Desporto espanhol. «Sei que o Ministério do Interior está a fazer um trabalho de vigilância preventiva nas redes sociais para determinar o nível de risco de um jogo, mas neste caso foi combinado através do Whatsapp, que é mais difícil de controlar», disse José Ignacio Wert à Onda Cero.

«É preciso manter muito longe dos estádios estas organizações violentas e desmantelá-las», disse ainda, para reconhecer: «Para sermos francos, não temos sido suficientemente contundentes, se esta é a oitava ou nona morte produzida nesta situação.»

A lista de que fala Wert foi recuperada neste domingo pela imprensa espanhola. Ainda que Espanha não seja, de todo, um dos países que evocamos quando falamos de violência associada ao desporto, e ainda que tenhamos tido o exemplo do excelente comportamento dos adeptos de Real e Atlético em Lisboa na final da Liga dos Campeões este ano, o facto é que o problema existe, e já matou várias vezes. Foram nove mortes associadas ao futebol, em confrontos entre jogadores, entre adeptos. Também houve uma vítima de um very-light, em 1992, tal como aconteceu em Portugal em 1996, naquele que é o incidente mais grave associado a claques no nosso país. 

Em Espanha, neste domingo, a violência não ficou por Madrid. Na Corunha, uma casa do Atlético de Madrid foi atacada, um ato perpetrado por meia dúzia de homens encapuzados.

O Comité anti-violência espanhol marcou uma reunião de emergência para esta segunda-feira. Nas redes sociais sucederam-se as reações ao que se passou, no Twitter a hashtag #NoALaViolenciaEnElFutbol foi tendência durante todo o dia. Palavras de condenação, mas também palavras de esperança, como as de muitos que partilharam o gesto de dois adeptos, um do Atleti e outro do Depor, que trocaram cachecóis ainda no estádio.