A mudança de André Silva para o Milan é já uma das grandes transferências da história do futebol português. Não apenas pelos valores comunicados, que falam do segundo maior negócio de sempre por um jogador nacional a sair da Liga portuguesa, atrás apenas de João Mário, mas também por estarmos a falar de um ponta de lança, coisa rara.  Além disso, reforça uma tendência, a valorização crescente de jovens jogadores portugueses nos grandes clubes e campeonatos da Europa.

É antes de mais o resultado de uma afirmação clara e muito rápida do avançado que deixa o FC Porto aos 21 anos, com o mundo pela frente. André começou a dar nas vistas há três anos, quando brilhou com a camisola de Portugal no Europeu sub-19. Corria o verão de 2014, mas teve de esperar até ter oportunidade na equipa principal do FC Porto. Estreou-se na Liga em janeiro de 2016 e apenas fez nove jogos nessa temporada, sob o comando de Julen Lopetegui. Apesar de ser um dos nomes na órbita da seleção, acabou por ficar de fora dos 23 que acabariam por conquistar o Euro 2016.

Foi bem diferente a época que agora terminou. Referência no ataque do FC Porto desde o início da temporada, foi chamado à seleção em setembro e não mais parou. Com a camisola azul e branca marcou 21 golos em 44 jogos, mesmo tendo perdido espaço na segunda metade da temporada com a chegada de Tiquinho Soares. E Portugal encontrou nele o companheiro de ataque ideal para Cristiano Ronaldo. Marcou sete golos em oito jogos e, claro, está entre os 23 que vão à Taça das Confederações.

André Silva é avançado, o papel dele é marcar golos, e é muito pouco comum Portugal gerar, antes de mais, e depois exportar um jogador assim. Os grandes negócios com jogadores portugueses envolvem normalmente extremos ou médios criativos, maioritariamente, em alguns casos defesas, como aconteceu com Ricardo Carvalho, Pepe ou Fábio Coentrão.

É preciso puxar pela memória para recordar uma transferência relevante de um avançado português. Ainda assim, nenhuma com os valores envolvidos no negócio de André Silva. E não foram histórias de grande sucesso.

A que mais se aproxima em termos de valores e notoriedade nas últimas duas décadas foi a de Nuno Gomes para a Fiorentina. Foi no verão de 2000, depois do épico Euro 2000,  que Nuno Gomes deixou o Benfica para rumar a Itália, por algo como 20 milhões de euros, na altura a transferência mais cara a partir do futebol português. O avançado tinha 24 anos e ficou duas épocas em Florença, num clube em colapso. Acabou por sair livre e regressar ao Benfica, no meio do processo de falência da Fiorentina. Marcou 20 golos em 64 jogos com a camisola «viola».

Depois houve Hélder Postiga. Foi em 2003, outro ano em que Portugal viu sair muito talento jovem. Primeiro Ricardo Quaresma, que assinou pelo Barcelona, por sete milhões de euros mais um empréstimo prolongado de Rochemback ao Sporting. E a seguir, em agosto, Cristiano Ronaldo, depois daquele jogo de inauguração do estádio de Alvalade. O Manchester United não perdeu tempo a contratá-lo, num negócio de 15 milhões de euros.

E ainda, nesse verão, Hélder Postiga. Longas negociações entre o FC Porto e Tottenham pelo avançado, então com 20 anos, terminaram com uma transferência de nove milhões de euros, mais variáveis. Foi curta e difícil a passagem de Postiga pelo clube londrino, onde fez 23 jogos e marcou dois golos. Falhou a época da conquista da Liga dos Campeões, regressou na temporada seguinte ao Dragão, num negócio que envolveu ainda a transferência de Pedro Mendes para o Tottenham.

Recuando alguns anos, podemos recordar mais um par de avançados que trocaram um dos «grandes» do futebol português pelo estrangeiro. Como Domingos Paciência, que trocou o FC Porto pelo Tenerife em 1997, num negócio noticiado na altura na ordem dos cinco milhões de euros. O atual treinador do Belenenses ficou duas épocas no clube espanhol, onde marcou seis golos em 50 jogos, e regressou também ele ao FC Porto.

Um ano antes tinha sido Jorge Cadete. Um caso diferente. Formado em Alvalade, o avançado rescindiu com o Sporting para rumar ao Celtic, onde chegou em fevereiro de 1996. E foi feliz em Glasgow, onde conquistou o troféu para o melhor marcador do campeonato escocês na temporada seguinte. Marcou ao todo 33 golos em 44 jogos pelo Celtic e saiu no verão de 1997, para rumar ao Celta Vigo. Voltaria a Portugal em 1999, mas para jogar no Benfica.

As dificuldades de Portugal em encontrar opções sólidas para a frente de ataque são crónicas, o que dá ainda mais valor a André Silva e à sua afirmação. Na Liga portuguesa impõem-se avançados estrangeiros e Pedro Pauleta, o avançado de referência da seleção nacional nos primeiros anos deste século e o melhor marcador de sempre com a camisola de Portugal, nunca passou pelo principal escalão português. Do Estoril saiu para Salamanca, em 1996, depois Deportivo da Corunha, Bordéus e PSG.

A juventude dourada das seleções

Agora chegou o tempo de André Silva. Dele e de mais uma vaga dourada de talento de jovens internacionais portugueses em clubes de topo nas grandes Ligas. Antes de André, e já neste defeso, tinha sido Bernardo Silva, de 22 anos, a transferir-se do Mónaco para o Manchester City, por valores que não foram divulgados, mas estimados em 50 milhões de euros.

Ficando só nos jogadores menores de 25 anos na seleção principal, há ainda André Gomes no Barcelona, João Mário no Inter ou Raphael Guerreiro no Borussia Dortmund, este um caso especial, de um jogador cujo percurso nunca passou por Portugal. Há ainda Cédric, 25 anos, no Southampton. E há mais jovens valores entre os que integram atualmente a seleção, esses por enquanto ainda a jogar em Portugal, como Gelson Martins, que tem 22 anos, ou Danilo e William Carvalho, ambos com 25.

Se alargarmos este olhar às atuais opções da seleção sub-21 que vai jogar o Europeu a partir do próximo fim de semana, é ainda mais notória esta nova vaga de talento português na elite do futebol europeu. Falando de jogadores que já são internacionais AA, temos ainda Renato Sanches, o adolescente do grupo e já campeão da Europa senior, 19 anos e já há uma temporada no Bayern Munique, João Cancelo, no Valencia, Gonçalo Guedes, no PSG, e agora também Ruben Semedo, que trocou o Sporting pelo Villarreal também já neste defeso, por 14 milhões de euros. E ainda o guarda-redes Joel Pereira na órbita da equipa principal no Manchester United, o defesa Kevin Rodrigues na Real Sociedad, Bruno Fernandes na Sampdoria, mais Bruma, do Galatasaray e alvo assumido pelos alemães do RB Leipzig.

Um horizonte sorridente para o futuro da seleção nacional, já a fazer lembrar aquela a que chamaram a geração de ouro do futebol português, que teve origem nos campeões do mundo sub-20 de 1989 e 1991. Aquela que abriu este caminho, a primeira que cresceu bem para lá das fronteiras portuguesas e teve sucesso maciço no futebol europeu de clubes de topo.

Como termo de comparação, recorde-se que no Euro 1996, a grande competição em que esses jogadores estavam neste patamar etário, abaixo ou no limite dos 25 anos, apenas cinco jogadores atuavam na altura no estrangeiro: Fernando Couto (Parma), Paulo Sousa (Juventus), Figo (Barcelona), Rui Costa (Fiorentina) e Jorge Cadete (Celtic). Podemos juntar à lista Vítor Baía, que trocou o FC Porto pelo Barcelona nesse verão, ou Dimas, que deixou o Benfica para rumar à Juventus também naquele defeso.