O braço de ferro chegou ao fim, agora há muito trabalho pela frente. A FIFA e a Fifpro assinaram um protocolo de entendimento que visa responder já a algumas das queixas dos jogadores e estudar reformas no regulamento internacional de transferências. O Sindicato internacional de jogadores assumiu o compromisso de retirar a queixa contra a FIFA que tinha feito junto da Comissão Europeia, precisamente para invalidar o atual regime de transferências. Há já garantias de mudanças, o resto é um processo longo com uma finalidade: dar mais liberdade aos jogadores na relação com os clubes, diz ao Maisfutebol Joaquim Evangelista, presidente do Sindicato português dos jogadores.

A Fifpro tinha apresentado queixa da FIFA em setembro de 2015, depois de considerar esgotado o diálogo sobre as mudanças no sistema de transferências. Os representantes dos jogadores defendiam que o atual regulamento não protege os jogadores e limita a liberdade de circulação. Agora, esse processo chegou ao fim, ao fim de ano e meio de negociações.

Para Evangelista, que integra também a direção da divisão Europa da Fifpro, este é o passo certo. «Eu entendi sempre que a Fifpro e a FIFA deviam estar à mesa e procurar entendimentos relativamente aos interesses do futebol. Depois da ação que interpusemos junto da Comissão Europeia, e sobretudo devido à mudança de direção no topo da FIFA e da UEFA, este deve ser o caminho.

«O caminho é um diálogo efetivo que permita encontrar equilíbrio na relação entre jogador e clubes», prossegue: «Vai haver necessidade de muito trabalho, confiança, e que passo a passo se superem as divergências.»

O atual Regulamento do Estatuto e Transferências de Jogadores está em vigor desde 2001 e o passo concreto anunciado agora pela FIFA e pelos representantes dos jogadores foi a criação de uma task force para conduzir «uma revisão mais alargada» do regime, que preveja, entre outras coisas, «requisitos mínimos nos contratos celebrados».

Enquanto isso, há questões mais práticas que vão já ser alteradas. «O acordo prevê várias fases. A questão dos salários em atraso e de jogadores a treinar à parte é uma das que entra já em vigor», explica Evangelista. Está assumida pela FIFA a criação de mecanismos que garantam maior celeridade na resolução de casos de pagamentos de salários em atraso ou casos de limitação dos direitos dos profissionais, com a promessa de «novas medidas para evitar condutas abusivas, tal como os jogadores treinarem sozinhos».

Evangelista acrescenta a esta ideia a da responsabilização dos clubes por esses incumprimentos: «Na questão das garantias contratuais, a falta de pagamento de salários deve não apenas ter resolução mais célere como os clubes serem sancionados. Também a questão de jogadores a treinarem à parte deve ser uma situação em que os clubes possam ser responsabilizados.»

Depois, há muito para discutir. Ao longo deste processo foram atiradas para a discussão muitas hipóteses, do fim do pagamento de transferências a tetos salariais. Evangelista não acredita que se vá tão longe, mas ainda assim fala de muitas questões para resolver. «Há a questão das janelas de transferências, questões contratuais, limitações de plantéis», diz.

O que pretendem então os jogadores?

Evangelista define algumas das ideias-chaves dos jogadores para a discussão. A principal, algum equilíbrio nas relações contratuais, quando os sindicatos consideram que o poder está todo do lado dos clubes, num sistema que se apoia na ideia da especificidade do desporto para não tratar os jogadores profissionais como qualquer outro trabalhador. «O que nós queremos é uma lógica de reciprocidade. Se um jogador se vincula e os clubes entendem que, devido à especificidade do desporto, não tem os mesmos direitos de outro tabalhador, tem de haver alguma reciprocidade se o jogador quiser terminar contrato», explica.

«Nas condições atuais o jogador não pode romper, é praticamente impossível que um jogador rompa um contrato sem isso se traduzir numa indemnização economicamente incomportável», prossegue: «O que desejamos é que pelo menos também se considere no contrato o inverso. Se um clube quiser pôr termo a um contrato, também tem que indemnizar o jogador nos mesmos termos. No essencial, maior liberdade nas relações laborais, para que o jogador não fique enclausurado num contrato.»

«O que os jogadores desejam é que a sua profissão seja encarada com alguma normalidade, sem prejuízo do princípio da especificidade do desporto», resume.

Quanto a ideias mais radicais, Evangelista não tem grande expectativa de as ver concretizadas. «Tetos salariais, duvido que se caminhe para essa via. Eu entendo que o mercado deve funcionar, existindo sim salários mínimos», exemplifica.

Mas há várias outras questões para tentar devolver algum equilíbrio ao sistema, que beneficia muito os clubes mais fortes. Esse era um dos argumentos da Fifpro na queixa apresentada na Comissão Europeia.

Por exemplo, regulamentar o número de jogadores que os clubes podem contratar, para que os «grandes» não monopolizem o mercado. Ou pôr um travão aos empréstimos: «Há também a questão da limitação de plantéis, para que os clubes mais pequenos tenham mais oportunidades de contratar, bem como a regulamentação das cedências.»

O presidente do Sindicato defende que este acordo «é sobretudo um sinal à escala mundial» e lembra que apenas se aplica a transferências internacionais. «No plano nacional cada país tem as suas regras», nota, defendendo que Portugal até está mais à frente em algumas destas questões: «Em Portugal temos um regime que eu diria equilibrado, temos procurado negociar com a Liga. Temos mantido uma relação positiva, indo ao encontro dos problemas. No último acordo, perante a conjuntura, aceitámos reduzir transitoriamente o salário mínimo, sinal de que estamos disponíveis para acordos de regime.»

«Portugal é um dos bons exemplos do ponto de vista da regulamentação», continua: «Cá, desde que se prove o incumprimento, pode haver uma rescisão direta. O jogador pode fazê-lo a qualquer momento. Face à nova lei, o jogador pode a todo o momento pôr termo ao contrato de trabalho e depois indemniza a entidade no valor que tiver de pagar.»

Mas, se defende a situação portuguesa, Evangelista admite também que há muitos problemas a envolver jogadores portugueses no estrangeiro. «Há um conjunto de países onde esses problemas se colocam mais, não nos principais campeonatos da Europa mas noutros países. O Sindicato tem dado resposta a imensos jogadores portugueses que no estrangeiro se sentem prejudicados.»