Antes de ser humorista, Diogo Batáguas foi guarda-redes numa equipa que tinha lá na frente um craque chamado Silvestre Varela.

Na altura, aos 12 anos, o aspirante a Vítor Baía não chegava à trave da imensa baliza de futebol de 11, mas, mesmo assim, alcançou o título da AF Setúbal ao serviço do Grupo Desportivo dos Pescadores da Costa da Caparica – mais tarde, voltaria a ser campeão distrital, mas em futsal, pelo Clube Recreativo Piedense.

Agora, aos 36, Diogo enche os palcos do país inteiro, sobretudo nos últimos meses com O Processo, o seu novo espetáculo de stand-up, além do sucesso de Relatório DB no Youtube.

Nasceu em Lisboa, cresceu em Almada, mas é portista desde pequeno, apesar da família ser do Benfica.

«Os de azul tinham muitas taças e eu via-os todos contentes a correr e a festejar. Fiquei dos azuis», explica numa conversa com o Maisfutebol em que revela que um dia foi treinar aos encarnados.

Estava lá Ruben Amorim – esse mesmo – que o anunciou com pompa ao resto da equipa.

«Vem aí um puto da minha escola que defende como o caraças…», avisou o agora treinador campeão pelo Sporting.

A coisa é que não correu como o previsto, lembra Diogo: «Cheguei, dei três frangos e nunca mais lá meti os pés.»

A verdade é que Amorim até já se redimiu: «Ele enganou-se dessa vez, mas, entretanto, já acertou em vários jovens talentos nos últimos dois ou três anos...»

MAISFUTEBOL - Qual a primeira memória que tem de futebol?

DIOGO BATÁGUAS - O Mundial de 1994. Portugal não foi, mas tenho mais memória dos jogadores dessa altura do que qualquer Mundial depois disso.

Qual era a sua seleção preferida?

Gostava da Bulgária com Stoichkov, Kostadinov do FC Porto, Balakov e Iordanov do Sporting, com o Lechkov, que era careca. Também gostava da Suécia. Como eu era guarda-redes sabia de cor os de todas as seleções: o Preud’homme da Bélgica, o Ravelli da Suécia, o Stelea da Roménia, o Pagliuca da Itália, o Taffarel do Brasil... Eu tinha 9 anos, era um miúdo entusiasmadíssimo a descobrir a bola, foi a primeira caderneta de cromos que fiz.

Foi nessa altura que se tornou adepto do FC Porto?

A minha família era genericamente do Benfica, mas não eram fanáticos. Nunca houve aquela pressão que eu farei a outras pessoas no futuro. [risos] Nessa altura, o FC Porto era uma equipa fortíssima, eu gostava de azul, os de azul tinham muitas taças e eu via-os todos contentes a correr e a festejar. E fiquei dos azuis. Quando bloqueias a resposta já não há como voltar atrás, por muito que seja o único portista da família e até do grupo de amigos. Na minha zona, em Almada, sempre fui uma espécie de cavaleiro solitário.

Isso dava um certo gozo nas vitórias?

Eu via a bola em tascos com os meus amigos benfiquistas – sportinguistas não tenho tantos. Lembro-me de ver aquela vitória por 5-0 no Dragão no Café Boa Esperança, em Almada, que já fechou. Tenho bom ganhar e mau perder. O que até é melhor. Não gosto de pessoas que quando ganham vão lá esfregar na cara dos amigos. É mais mau carácter teres mau ganhar. Há que ter alguma superioridade na vitória. Quando perco, o melhor é não me chatearem durante uma hora ou duas a seguir ao jogo.

Torna-se mais expansivo quando vai ao Dragão?

Aí solto-me um bocadinho. Num café quando há golo do Benfica eu sou o único trombudo num canto e quando marca o FC Porto não me ponho aos saltos. É uma coisa mais para dentro: cerro o punho e «vai, 1-0!» É mais para dentro. Aprendi a refrear os meus ânimos a ver os jogos. No Dragão, já me levanto e já chamo nomes, já solto o meu animal de estádio que esteve aqui reprimido durante muitos anos.

Um estádio cheio também puxa por esse lado?

O Dragão tem uma atmosfera fantástica. Já fui ver um jogo a Old Trafford e o Dragão faz muito mais barulho. Mandem vir os ingleses que quiserem, o barulho do Dragão dá 10 a 0 a Old Trafford. A malta do Norte faz um ‘cagaçal’ mágico, é um ambiente incrível para quem lá está.

Tinha algum ídolo em miúdo?

O Vítor Baía, porque eu era guarda-redes e ele tinha um estilo do caraças, ainda por cima. Lembro-me de a minha mãe me oferecer uma camisola dele da seleção, da marca Kronos. Só não chorei porque não calhou. Foi o melhor presente de aniversário que recebi na minha infância.

Quando era mais novo, foi guarda-redes numa equipa que tinha como grande craque o Silvestre Varela – internacional português que jogou no FC Porto e agora representa a equipa B dos dragões.

Fomos campeões da Associação de Futebol de Setúbal pelos Pescadores da Costa da Caparica, com 12, 13 anos. Nessa equipa, havia também um rapaz que fez carreira como futebolista: o Marco Airosa, que chegou a jogar no Nacional da Madeira, na União de Leiria e ainda foi a um Mundial por Angola (2006). Mas aquilo era bola no Varela, ele fintava toda a gente e depois era só dar a bola ao avançado ou marcava ele. Era um extremo rápido que partia tudo. Depois, quando ele foi para o Sporting já apanhou o Ronaldo e o Quaresma e aí já sofreu mais um bocadinho. Joguei também com o Ruben Amorim, mas aí não foi como federado.

Como é que isso aconteceu?

Ele era da minha turma e jogávamos em torneios de verão. Cheguei a ir a um treino do Benfica em que o Ruben estava lá.

Como foi parar ao Benfica?

Dei nas vistas num torneio das escolinhas de futebol do Humberto Coelho e fui convidado para ir ao Benfica treinar. Na altura, o Ruben Amorim era da minha escola e já estava nos infantis do Benfica. Sei que ele disse aos guarda-redes da equipa dele: «Vem aí um puto lá da minha escola que defende como o caraças, o gajo vai rebentar-vos a todos…»

E, então, como correu?

Cheguei lá, dei três frangos e nunca mais lá meti os pés. Só fiz um treino no Benfica. Acho que ele passou vergonha por minha causa. [risos]

O Ruben Amorim tinha muita confiança no Diogo…

Tinha, mas enganou-se. Entretanto, acertou em vários jovens talentos nos últimos dois ou três anos, mas não começou bem.

Como era o Diogo como guarda-redes?

Até era um bom guarda-redes, mas era muito pequenino e aquelas balizas de futebol de 11 eram gigantescas para um miúdo de 11 anos. Era rápido e felino, defendia para a fotografia e tinha o cabelo um bocado comprido e uma fita na testa como o Baía. O problema era que se a bola fosse muito alta eu não chegava à trave. Nos infantis, uma vez sofri um golo do Amora do meio-campo e perdemos o jogo por causa disso. Cruzamentos também era difícil. Depois, nos juvenis e juniores, fui jogar futsal já pelo Piedense e fomos campeões também da AF Setúbal. Ainda cheguei a fazer uns minutos pela equipa sénior, na II Divisão. Era aquele guarda-redes dos juniores que estava a fazer a transição para a equipa principal.

Porque é que não continuou?

Uma vez, a fazer uma finta a um avançado, fiz uma rotura de ligamentos. Passado uns meses, fiz outra. Foi o início do fim da minha carreira. Pelo menos, é isso que gosto de dizer. Não iria a lado nenhum, mas com uma lesão no joelho fiquei com uma boa justificação para não seguir a via profissional. Nessa altura, o futsal também era muito mais amador. Tinha de treinar todos os dias, eu tinha 20 anos, estava na faculdade, tinha outras prioridades.

Perdeu-se um guarda-redes, ganhou-se um humorista. O futebol é um tema sensível para o humor?

Não há muito a fazer. É quase como fazer piadas com o filho ou com a religião de alguém. O futebol é facilmente ridicularizável, mas para uma grande fatia da população é quase um dogma. Há muitos temas sensíveis. Por exemplo, posições políticas que tendem para uma determinada extrema que tem pouco sentido de humor e facilmente parte para a agressão verbal e para a ameaça. No futebol também acontece muito isso. As tentativas de piada são percecionadas como um ataque e os humoristas ficam espantados com isso: «Porque é que este gajo me quer bater se eu só fiz uma piada?» Há também a religião, ou alguns artistas com muitos fãs e até outras áreas da sociedade que são ridicularizáveis e ninguém está à espera que possam ser agressivas de volta.

Como por exemplo?

O reiki. É malta que não tem muito sentido de humor. Astrologia também.

Voltando ao futebol, este ano o FC Porto está a encher-lhe as medidas?

Gosto de ver miúdos que cresceram no clube e que de repente estão na equipa principal a marcar golos e a brilhar. Para nós, enquanto adeptos, é como se fosse um sonho que não cumprimos. Vemo-nos representados ali. Ver o Fábio Silva ou o Francisco Conceição a fazerem um golo no Dragão com 17 ou 18 anos… Aquilo é uma explosão de alegria. Os miúdos começam quase a chorar. É bonito ver os miúdos a viverem o clube como um adepto vive.

O Sérgio Conceição também tem essa aura de adepto, não concorda?

Por isso é que os adeptos estão com o Conceição. Pelo menos, eu estou. Ele foi campeão com uma equipa cuja única contratação foi o Vaná e numa época em que o Benfica vinha de quatro campeonatos seguidos e estava fortíssimo.

Concorda que este é o FC Porto que melhor futebol joga na 'era Conceição'?

Sim e havia essa dúvida: o Conceição jogava com bola para a frente e «Corre para aí Marega» porque só sabe fazer isso? Ou se lhe derem miúdos com pezinhos ele põe-nos a jogar à bola como deve ser? Essa dúvida que houve durante dois ou três anos está a ser dissipada agora. Mesmo perdendo o Luis Díaz, o FC Porto continua a jogar muito à bola. Está a lutar pelo campeonato, pela Taça de Portugal e até pela Liga Europa, mesmo depois de lhe terem tirado o Sérgio Oliveira e o Corona, além do Díaz, como quem diz: «Desenrasca-te aí com esses miúdos que ganharam a Youth League há três anos.» Muito mérito para o Sérgio Conceição.

Esta nova geração entusiasma-o?

Foram estes miúdos, muitos daquela geração que ganhou a Youth League, que salvaram o FC Porto de uma falência ou uma longa travessia do deserto. Acredito que o Diogo Costa, o Vitinha e o Fábio Vieira, mesmo o Francisco Conceição, vão atingir um patamar de topo. E agora já não é possível dizer que o Conceição é só um treinador de matulões e brutamontes.

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