«Quero escrever uma página bonita como um dos melhores de sempre. Acho que estou no bom caminho»

Convencido, atrevido, absurdo. Isso nunca vai acontecer.

Agora leia em inglês: «I want to write a beautiful page as one of the best ever. I think I'm on the right track»

Se fosse Michael Jordan a dizer isto quando tinha 29 anos já acreditava?

Cristiano Ronaldo não tem medo de dizer que quer ser o melhor e não lhe basta vencer uma vez, tem de vencer, vencer, vencer. Durante muito tempo o que mais me intrigou em Jordan foi essa mesma sede de conquista, a entrega constante, o super-atleta que não vê obstáculos e a inegável afirmação de que se trata do melhor, do melhor de todos os tempos (mesmo que isso seja relativo).

Confesso que sempre admirei aquele que é amplamente reconhecido como o melhor jogador de todos os tempos. Para mim interessa acima de tudo o que fez dentro de campo e relativizo as falhas humanas. Jordan é um exemplo de superação, de que tudo é possível no desporto (e na vida) quando se trabalha muito, mesmo que se tenha de bater várias vezes com a cabeça na parede. Jordan surgiu na NBA quando havia Larry Bird e Magic Johnson, mas impôs-se e foi coroado como o rei do basquetebol.

Também ele chorou no momento de glória. De forma quase incontrolável e perante o olhar atento das câmaras de televisão. Dois anos depois de se retirar do desporto com três títulos de campeão da NBA, Jordan regressou aos Chicago Bulls para vencer mais três vezes. Conquistou o quarto título no Dia do Pai, o primeiro depois do seu pai ter sido assassinado. No momento de celebrar só pensou no quanto tinha sofrido para chegar tão longe e as imagens dele a chorar agarrado a uma bola no chão do balneário ficaram para a história.



As lágrimas de Cristiano Ronaldo na cerimónia de entrega da Bola de Ouro representam algo semelhante e é incrível como estas duas figuras impares do desporto têm tanto em comum. Não será, aliás, mero pormenor que o jogador português insista em escolher dentro da marca que o patrocina os artigos inspirados em Michael Jordan, como aconteceu na conferência de imprensa que antecipou a gala da FIFA, em que usou um boné da marca Nike Air Jordan.

As lágrimas de Cristiano Ronaldo na altura de discursar com a segunda bola de ouro nas mãos devem servir de exemplo para todos. A imagem da perseverança, do trabalho no duro e o resultado do sucesso devidamente recompensado. O melhor do mundo, uma máquina dentro de campo, um conquistador, aquele que consegue correr 90 metros em 10 segundos num relvado e com chuteiras de futebol calçadas não conseguiu aguentar quando percebeu o orgulho nos olhos da sua família, a importância que tinha voltar a tocar o céu. 

Ronaldo é feito da mesma matéria de todos nós, mas possui um atributo tantas vezes subestimado: a ambição. Nunca foi fácil ser Cristiano Ronaldo: nascer num bairro pobre de uma ilha, deixar a família aos 13 anos para jogar na capital, ultrapassar um problema cardíaco, não estudar e emigrar sem saber falar uma palavra de inglês, envergar a mítica camisola 7 de um dos melhores clubes do mundo aos 18 anos, ser assobiado por fintar, ser assobiado por atirar-se para o chão, ser assobiado por marcar muitos golos, falhar, falhar e continuar a falhar até conquistar títulos, vencer a primeira Bola de Ouro, jogar num tempo em que existe Messi, jogar no principal rival da equipa de Messi, ser assobiado por quem gosta de Messi, ouvir os adeptos adversários cantarem o nome de Messi para o irritar, ouvir um português dizer o nome de Messi numa concentração da Seleção, não ser reconhecido no seu país, levantar-se e continuar a acreditar, falhar um penálti numa meia-final da Liga dos Campeões, não marcar um penálti numa meia-final de um campeonato da Europa, e continuar a acreditar, marcar 69 golos numa época, levar o seu país ao Mundial e finalmente poder sorrir e conquistar a segunda Bola de Ouro. Não é difícil chorar no fim disto tudo.

O exemplo de Ronaldo não reside nos luxos, na vaidade ou até mesmo nos títulos, mas em tudo o que serviu para alcançar o mérito. A abnegação, a vontade, a determinação e a dedicação são elementos fundamentais para o sucesso que Cristiano alcançou e um ensinamento para as novas gerações. Vale a pena lutar, se for preciso bater muitas vezes com a cabeça na parede, porque o trabalho será sempre recompensado. É difícil pensar assim em tempos tão difíceis como os que vivemos, mas é nestas alturas que deveremos acreditar ainda mais que um futuro brilhante nos aguarda.

«Um domingo qualquer» é uma crónica de opinião quinzenal do jornalista Filipe Caetano