Perdoem-me por não falar da Pepsi, de Ronaldo e de como vamos ser brilhantes no Mundial. Há muito que admiro Cristiano, bebo sempre Coca-Cola Zero e aposto na Alemanha para ganhar o campeonato do mundo, embora tenha toda a fé na Seleção.

Há precisamente 50 anos John Fitzgerald Kennedy foi assassinado em Dallas e o mundo nunca mais foi o mesmo. Terá sido o primeiro grande acontecimento com cobertura televisiva de impacto mundial, antes da ida à Lua, antes do Mundial de 66, numa altura em que a telefonia trazia todas as notícias.

A voz de Walter Cronkite fez o anúncio formal:



Também há 50 anos era sexta-feira, como hoje, e apesar da ditadura que se vivia em Portugal a notícia da morte do presidente dos Estados Unidos surgiu célere e foi manchete nos jornais do dia seguinte. Inclusivamente no «Diário de Lisboa», devidamente revisto pela censura.



Na mesma edição do jornal lê-se que o FC Porto preparava-se para viajar até Lisboa, onde iria defrontar o Benfica no domingo seguinte. No banco dos dragões estreava-se o saudoso Otto Glória, que contava com o grande Américo na baliza e Hernâni como garante de qualidade no meio-campo. Do lado dos encarnados brilhavam Cavém, Coluna ou Simões. O jogo ficou empatado (2-2).

O brasileiro Otto Glória já tinha passado por Benfica, Belenenses e Sporting, por isso surgia a piada no cartoon do «Diário de Lisboa».



Mas o mundo só pensava em Kennedy e como era possível aquilo ter acontecido. As informações surgiam em catadupa. Lee Harvey Oswald era rapidamente capturado e em poucos dias também ele assassinado. O luto era geral e não só os americanos estavam chocados. Eram tempos de Guerra Fria, a tensão era latente e JFK era um presidente jovem, que transportava um sinal de esperança e mudança, nomeadamente no que diz respeito aos direitos civis.

Muitos são os americanos que recordam aquele dia. É uma espécie de «onde estavas tu no 25 de Abril» ou «onde estavas tu quando as Torres Gémeas foram atacadas». Lou Reed transformou em música o peso dessa memória.

«Lembro-me onde estava naquele dia/estava no interior dum bar/via pela televisão o jogo da equipa de futebol da faculdade/parou tudo no ecrã, e o locutor anunciou/aconteceu uma tragédia/notícia ainda não confirmada/de que o presidente levou um tiro/ele pode estar morto ou a morrer»



Toda a iconografia em torno de Kennedy ficou cristalizada e não é por acaso que ainda hoje ele é estudado. Gerações e gerações seguiram a sua história, leram biografias, procuraram teorias da conspiração. Normal Mailler escreveu um dia que «se um qualquer destrói o líder da nação mais poderosa da Terra, então o mundo de desproporções engole-nos, e vivemos no universo do absurdo». Ironia ou não, ainda hoje vivemos nesse mundo do absurdo em que o presidente dos Estados Unidos já não percorre as ruas em carros descapotáveis nem fala para as massas desprotegido (veja-se a densa parede de vidro que protege Obama sempre que aparece a discursar em grandes espaços públicos).

Cristão, JFK era a personificação do homem novo, do político com preocupações telegénicas que esmagou Nixon no primeiro grande debate transmitido pela televisão. Foi herói na Marinha e era fanático pelo futebol americano jogado nas universidades, o «college football», e um dos seus principais rituais era assistir ao jogo «Navy vs Army».

O desafio é uma tradição puramente americana, que junta cadetes dos dois ramos militares, enchendo os maiores estádios do país. Há um ritual próprio e os presidentes ou vice-presidentes estão sempre presentes, consoante a sua ligação a um dos lados. Caso não tivesse sido assassinado, Kennedy estaria presente no jogo marcado para 30 de novembro de 1963, torcendo pela Marinha, como disse num telegrama enviado ao treinador a 20 de novembro. Dois dias depois era assassinado em Dallas.

O jogo foi sucessivamente adiado, assim como tinham sido canceladas as partidas de todas as modalidades agendadas para aqueles dias. O desporto parecia não fazer sentido no momento de luto e incredulidade, mas logo esse mesmo desporto serviu para unir e em dezembro realizou-se o mais intenso «Navy vs Army» da história, com Robert Kennedy e Jackie Kennedy na bancada, eternizando a memória de um homem que fica na história.

O desporto como elo de união, como retrato social e como agente de regeneração e impulsionador de vontades. É claro que o desporto não acaba com as crises, sejam elas económicas ou políticas, mas serve sempre de inspiração e permite-nos continuar a sorrir, a celebrar e a sonhar. Há 50 anos como hoje. Nos Estados Unidos ou em Portugal.