Naqueles dias de verão de 99 poucos entendiam a escolha do treinador, que teimava em apostar no miúdo de 18 anos. De cabeça levantada, perna longa e arrojado posicionamento em campo, o médio acabadinho de chegar dos juniores afirmava-se na equipa que preparava mais uma época num dos relvados adjacentes ao velhinho 1º de Maio. O técnico passou o tempo todo a avisar que a aposta no miúdo ia calar muita gente e mesmo que no início não tenha sido assim os anos passaram e a velha raposa teve muitas razões para sorrir com os êxitos da sua aposta.

Manuel Cajuda pode ter muitos defeitos e passados catorze anos não tem o mesmo grau de respeito nacional, mas não é difícil reconhecer a sua experiência e conhecimento. Foi ele o primeiro a perceber o talento único de Tiago, um jovem de 18 anos que já se tinha afirmado pelos juniores do Sp. Braga e tinha a primeira oportunidade no plantel principal. Logo na época de lançamento chegou a titular e foi nessa condição que se estreou na I Liga, em Alverca, ao lado dos capitães Barroso e Artur Jorge.

As duas primeiras épocas foram duras, Cajuda viu-se forçado a proteger o jovem inúmeras vezes, mas estava ciente do que estava a fazer e a prova veio na terceira temporada, com o salto para o Benfica de Jesualdo Ferreira em janeiro de 2002. Tiago seguia o seu trajeto tranquilamente, sem grandes euforias e com uma personalidade que nem todos os homens de 20 anos conseguem ter.

As duas épocas seguintes foram exuberantes a nível pessoal, assumindo o seu estatuto de titular rapidamente e afirmando uma veia goleadora que não viria a repetir, mas a nível de conquistas a passagem pela Luz rendeu apenas uma Taça de Portugal em 2003/04, precisamente no último jogo que fez de águia ao peito. Nessa altura o médio era já internacional, integrou o lote de escolhidos de Scolari para o Euro 2004, mas não chegou a jogar. 

Foi nessa condição que aceitou o desafio de José Mourinho, transferindo-se para o Chelsea. Em Inglaterra foi um elemento influente na primeira temporada, alcançando o título nacional, mas viria a abraçar novo desafio na época seguinte, com a mudança para o Lyon, na altura um clube com grandes ambições a nível europeu. Em França voltou a ser campeão nacional por duas vezes, foi repetidamente elogiado e assinou pela Juventus, onde acabou por ficar três épocas.

Tiago fez este percurso sempre de forma discreta, afirmando-se como titular, fazendo em média mais de trinta jogos por época e com uma presença consistente na Seleção, onde teve lugar no onze de forma intermitente, disputando dois Mundiais (2006 e 2010).
 
No Atlético de Madrid encontrou a casa ideal. Um clube à sua medida, capaz de entender os seus ritmos, entendendo a sua forma peculiar de impor o jogo no meio-campo, o altruísmo dos seus processos, a postura tranquila em campo e na vida. Cinco temporadas de sonho, com muitos títulos, a presença na história pela conquista do campeonato espanhol, a braçadeira de capitão, o imenso respeito dos adeptos, dos colegas e dos treinadores.

Em todo este percurso faltou-lhe juntar a conquista da Liga dos Campeões à Liga Europa e à Supertaça Europeia. A presença na final de Lisboa mostrou um Tiago maduro, capaz de deixar o sangue em campo, sempre disposto a dar soluções aos companheiros enquanto partilhava espaços com Gabi. 
 
Aos 33 anos, Tiago entrou na fase derradeira da carreira como jogador e aparentemente já pensa no passo seguinte, que deverá passar pela função de treinador. Com propostas de grandes clubes mundiais, o médio vai fazer o seu último contrato e já demonstrou que a metódica preparação da carreira segue critérios bem definidos e sem revés.

Neste fabuloso destino todos lamentamos o pragmatismo de Tiago em deixar de representar a Seleção para abrir o caminho aos mais novos. Seria seguramente um elemento fundamental para a estratégia de Paulo Bento no Mundial do Brasil, mas preferiu seguir o seu caminho, gastando todas as energias no clube que representa e olhando para o futuro próximo com a certeza de que só pode jogar a alto nível e duas épocas bastarão para fechar mais um ciclo. Esteja onde estiver, os portugueses vão torcer por ele.

«Um Domingo qualquer» é uma coluna de opinião quinzenal do jornalista Filipe Caetano