O recente sucesso do Leicester em Inglaterra trouxe o clube para as bocas do mundo como nunca antes. Um conto de fadas em que um pequeno David bateu vários Golias até chegar ao topo. Como não se apaixonar?

Naturalmente que a história seria semelhante com qualquer outro clube pequeno, mas o facto de ser o Leicester já permitirá, certamente, que este clube específico ganhe adeptos em vários pontos do globo. Um foco de atenção especial para um emblema de uma cidade que não está, sequer, entre as dez maiores do Reino Unido, tendo uma população de cerca de 330 mil habitantes.

Quando arrancar a próxima temporada é praticamente certo que o Leicester terá mais adeptos do que quando arrancou a atual. E, depois, mediante o que fizer, o crescimento poderá ser ainda maior.

Fazer pela vida para ser popular foi o que o Leicester conseguiu. No caso, com um título. Outros houve, na história do futebol, que também granjearam popularidade um pouco por todo o globo junto de adeptos de futebol, por motivos vários, que ultrapassam, até, a conquista improvável de troféus. Génese popular, defesa de causas sociais, equipas entusiasmantes, adeptos diferentes. Vale tudo para ganhar popularidade.

O Maisfutebol reuniu alguns exemplos. Pode sempre acrescentar outros nos comentários...

-Fiorentina, Itália

Rui Costa em ação com a mítica camisola «Viola»

Com Rui Costa e Batistuta, provavelmente, na melhor fase da respetiva carreira, não era difícil que a equipa de Florença, por si só uma cidade apaixonante, cativasse a atenção dos adeptos do Calcio dos anos 90.

Itália ainda tinha aquela que era, para muitos, a melhor Liga do mundo, mas a «Fiore», que até o roxo do equipamento tornou especial, nunca a conseguiu vencer nesse período de popularidade global. Na década de 90, de resto, ficou com dois títulos: Taça de Itália de 96 e Supertaça no ano seguinte.

Na caminhada da Taça, ganha ao Atalanta, o destaque maior foi a meia final com o Inter de Milão, ultrapassada com duas vitórias (3-1 em casa, 1-0 fora). O treinador era um tal de…Claudio Ranieri.

A Fiorentina dos anos 90 apaixonou milhões. Na última época dessa década marca presença na Liga dos Campeões e ganha destaque ao vencer no terreno do Arsenal, com golo de Batistuta, na primeira de duas fases de grupos, formato que vigorou por curto período na Liga milionária. A «Fiore» caiu no segundo. Mas continuou no coração de muitos mesmo que, desde aí, tenha vivido anos conturbados.

Despromovida por dívidas, em 2002, voltou em 2004, depois de ultrapassar um processo de falência. Dois anos depois viu o seu nome envolvido no escândalo Calciopoli. Perdeu pontos em épocas consecutivas mas aguentou-se.

Ainda voltou à Champions mas uma coisa é certa: não teve mais o brilho dos anos 90.

-Athletic Bilbao, Espanha

Marcelo Bielsa também deu o seu contributo para tornar o Athletic Bilbao ainda mais popular

Nos tempos que correm, em que a globalização do futebol afunilou várias formas de estar no jogo, o conceito praticada pelo Athletic Bilbao continua a encantar todos os apaixonados pelo futebol romântico.

É um clube que é, verdadeiramente, a representação das suas gentes em campo. Que não contrata grandes estrelas, mesmo que seja, ainda hoje, o quarto com mais campeonatos (8) em Espanha, depois de Real Madrid, Barcelona e Atlético Madrid. A verdade é que o último foi ganho já em 1984 e muito mudou deste aí.

A política de apostar no jogador basco e na cantera do clube não tem permitido criar equipas que consigam ombrear com os colossos locais, mas, também é certo, é um dos três (depois de Real e Barça) que nunca desceram de divisão.

Recentemente, como se ainda precisassem de algo mais para ganhar popularidade fora do País Basco, foram orientados por Marcelo Bielsa, outra referência dos apaixonados da bola. E chegaram mesmo à final da Liga Europa, onde acabaram trucidados pelo Atletico Madrid.

Quem disse que o amor era fácil?

-St. Pauli, Alemanha

A camisola castanha do St Pauli

Este é um dos casos mais especiais. Desde logo porque, ao contrário de muitos, nunca teve um grande sucesso desportivo a nível nacional. Viveu sempre na sombra do Hamburgo, o clube mais representativo da cidade.

Atualmente está no segundo escalão, ocupando o quarto lugar e já sem hipóteses de subida. Esta tem sido a vida do clube: mais tempo fora da Bundesliga do que entre os grandes.

Porquê, então, a paixão que existe em torno deste emblema? O seu caráter social e solidário toca os seguidores do futebol. Ainda recentemente, quando a questão da chegada dos refugiados à Europa começou a ser discutida e, em alguns pontos, contestada, os adeptos do St. Pauli vieram a público defender a sua integração.

Contudo, convém sublinhar que a popularidade do St. Pauli começou a crescer consideravelmente a partir de 1979, quando a equipa desceu aos escalões regionais do futebol alemão. Nessa altura ganharam o apoio de muitos dos que paravam na chamada «zona vermelha» da cidade. Punks, hippies, adeptos de estilos de vida alternativo tornaram-se adeptos, sócios e presença regular no estádio, cuja média de espectadores subiu dos 1500 para os 20 mil!

O clube é assumidamente contra qualquer ato de racismo ou homofobia, considerando que a defesa do mais fraco face ao mais forte está na génese da sua fundação.

A zona de St. Pauli, na cidade de Hamburgo, é conhecida por ser habitada pela classe operária da cidade, o que liga umbilicalmente o clube aos mais desfavorecidos. Uma espécie de «emblema dos pobres», embora só a partir dos anos 80 esta filosofia tenha começado a despertar atenções além-fronteiras.

-Ajax, Holanda

Ser um gigante holandês não impede o Ajax de mover «paixões hipsters»

Não encontrará outro clube tão ganhador nesta lista. São 33 campeonatos da Holanda, 18 Taças nacionais, quatro Ligas dos Campeões, uma Taça das Taças, uma Taça UEFA, duas Supertaças Europeias e duas Taças Intercontinentais. Só para citar os principais troféus, naturalmente.

O que faz aqui, então, entre emblemas mais pequenos? A verdade é que o Ajax sempre foi um clube que apaixonou multidões.

Os motivos são vários. Desde logo pela fama (e muita vezes o proveito) de jogar um futebol atrativo, algo que se estende a todo o país. Foi a base de vários jogadores de enorme talento, em várias gerações. Como Johan Cruyff, Marco Van Basten, Dennis Bergkamp e muitos outros.

E essa base também ajuda a tornar o clube popular. Mesmo que os frutos que olhe, nos dias atuais, não tenham a qualidade de outros tempos, o clube continua a ter como imagem de marca a sua Academia, que além de muitos talentos holandeses também é casa de muitas descobertas em todo o globo.

Depois, como em todos os outros casos, há os adeptos. Especiais por também se baterem por causas sociais, como a defesa dos judeus, por exemplo. Afinal, o clube fica instalado numa área de Amesterdão de forte implementação judaica.

-Rayo Vallecano, Espanha

Rayo, um clube especial de Madrid

Nascer em Madrid, amar futebol e não ser de Real ou Atlético. Esta é a receita dos adeptos do Rayo, de quem um dia o antigo técnico José Sandoval disse ser «o último dos clubes de bairro».

Tal como o St. Pauli, o Rayo também teve a sua origem num bairro operário de Madrid, Vallecas. Os adeptos distinguem-se pela sua batalha contra o futebol moderno e defesa dos valores puros, como bairrismo e apoio às equipas da terra.

A nível social, o clube tenta também primar pela diferença. Ainda recentemente ficou famosa a campanha para ajudar uma adepta do clube, de 85 anos, que foi despejada de casa por dívidas. Protestos contra aquilo a que chamam a «ditadura das televisões», que mudam horários de jogo para os poderem transmitir, são também frequentes.

A luta contra a homofobia é outra das características do clube que este ano foi mais longe e, no seu equipamento alternativo, substitui a tradicional barra encarnada, que é imagem de marca, por uma barra com as cores do arco-íris, símbolo LGBT.

-Borussia Dortmund, Alemanha

Para muitos, os adeptos do Dortmund são os melhores do mundo

Tal como o Ajax, incluir o Borussia Dortmund numa lista repleta de «underdogs», que muitos chamam de «clubes de hipsters», pode parecer estranho, mas depois de analisar todo o ambiente em torno do gigante alemão percebe-se por que é um emblema especial.

Antes de tudo, os adeptos. Poucos (ou nenhum) clubes conseguem tornar-se especiais sem terem adeptos especiais. E, para muitos, ninguém bate os do Dortmund.

Assistir a um jogo na mítica Sudtribune do Westfalenstadion (nenhum adepto real do clube prefere a denominação atual, mais comercial, de Signal Idura Park) é uma daquelas experiências para qualquer apaixonado pelo futebol incluir na «Bucket List».

Não é fácil, claro, porque há sempre casa cheia. E, muitas vezes, coreografias magníficas, que dão a volta ao mundo.

O sucesso desportivo, sobretudo a conquista da Liga dos Campeões em 1997 com o português Paulo Sousa a jogar, também ajudou a popularizar o Borussia Dortmund além fronteiras, algo que atingiu novo expoente durante a passagem de Jurgen Klopp pelo clube.

Mesmo sendo um dos gigantes do futebol alemão, enquanto houver Bayern Munique, será sempre visto como o segundo clube e, por inerência, uma espécie de «underdog». Mas com adeptos como mais nenhum outro…

-Boca Juniors, Argentina

«La Bombonera»: um dos templos do futebol mundial

É verdade que o San Lorenzo, sobretudo desde a eleição do Papa Francisco, seu adepto assumido, tem recebido forte atenção mediática e popular, mas o Boca Juniors continua a ser o clube argentino que, ao lado do River Plate, mais paixões desperta ao redor do globo.

O motivo, além de Maradona ou Riquelme, citando apenas duas das suas lendas, está também naquilo que representa desde a fundação.

O Boca nasceu do desejo de cinco jovens, filhos de italianos, do bairro de A Boca, habitado essencialmente por imigrantes que trabalhavam na Argentina. Por oposição ao River Plate, o clube rico da cidade fundado quatro anos antes, que até tem a alcunha de «Millionario», o Boca é visto como o lado pobre da rivalidade. Curiosamente, o River também deve a sua génese ao bairro de A Boca e só mais tarde «migrou» para uma zona mais nobre de Buenos Aires.

O Boca joga ainda no estádio La Bombonera, uma das catedrais mundiais do futebol, o que também chama a atenção dos apaixonados da bola. Na altura de entender o mecanismo da rivalidade do Superclássico argentino, tudo conta. Gostar de ambos, a sério, não parece nada provável…

-Académica, Portugal

Académica, um histórico que vai jogar na II Liga

Não tem, naturalmente, o peso de outros dos exemplos citados, mas se procurarmos em Portugal um clube que poderia apaixonar a «nação hipster», a Académica parece o exemplo que melhor encaixa.

Um histórico que nunca foi campeão nacional, mas conquistou duas Taças. A primeira de sempre, em 1939, e, mais recentemente, em 2012.

Nas últimas décadas vem alternando entre as I e II Ligas do futebol luso (foi despromovida esta época), mas continua com o carinho de muitos pelo país fora. A ligação à Universidade de Coimbra (até aos anos 70 a esmagadora maioria dos jogadores eram estudantes universitários), faz com que o clube seja acarinhado pela classe estudantil e não só.

É, muitas vezes, recordada pela final da Taça de 1969, perdida para o Benfica no Jamor. Mais do que o resultado, o que ficou do jogo foi o protesto estudantil contra o regime ditatorial que vigorava no país. «Melhor ensino, menos polícias» ou «Ensino para todos» podem parecer tarjas banais nos dias de hoje, mas, à época, foram uma grande afronta ao regime.

Ainda hoje a ousadia é recordada. E isso também ajudou a popularizar a Briosa.