Sérgio Conceição surpreendeu tudo e todos. Apresentou-se no Bessa com um miúdo na baliza do V. Guimarães, destronando o brasileiro Douglas do lugar que era seu por natureza. Com a surpresa do técnico começa a escrever-se a história de um «rapaz que nasceu para ser guarda-redes», diz quem o conhece.

Falamos de Miguel Silva, o homem do momento em Guimarães. Aos 20 anos de idade, o vimaranense segue-se a Nuno Espírito Santo, que foi lançado na equipa principal do V. Guimarães com apenas 19 anos, em 1993.

Depois do apito inicial de Fábio Veríssimo no Bessa, a história é conhecida. João Miguel Silva esteve à altura da aposta, fez três intervenções de excelente nível e não tremeu na baliza dos vimaranenses. No final do encontro, na hora das habituais palmas, Moreno fez questão de que o miúdo liderasse a comitiva e Miguel Silva foi à frente de todo o plantel agradecer aos adeptos.

Para além disso, a estreia de Miguel Silva fica marcada pelo momento em que o jovem acompanhava as claques do Vitória, sussurrando na baliza os cânticos de apoio ao clube em pleno relvado. O Maisfutebol falou com dois antigos treinadores de Miguel Silva e conta-lhe a história do guarda-redes que impressionou na estreia.

Primeiras defesas no pelado do Ponte

Apesar de jovem, o início de Miguel Silva no futebol não foi em academias nem em relvados sintéticos. Começou no Clube Desportivo de Ponte, um clube modesto dos distritais que apenas este ano se deu ao luxo de ter um tapete verde.

Não se descobriu logo um talento, mas via-se que havia potencial. Jorge Braguinha foi o primeiro treinador de Miguel Silva, no pelado do Ponte. O técnico recorda as primeiras impressões do «rapaz que nasceu para ser guarda-redes».

«Quando apareceu não era fora de série, disse-lhe que tinha de melhorar, mas notava-se mais vontade do que em todos os outros. Em todos os jogos e em todos os treinos queria fazer mais e melhor. Ficava zangado se lhe corresse mal», relembra Braguinha.

Mesmo não sendo fora de série, o seu primeiro treinador reconhece que já havia ali qualquer coisa. «Toda a gente o via de forma diferente, porque, apesar de obviamente ter que evoluir, já sabia cair e era bom dentro e fora dos postes, o que naquela idade não muito normal», assume.

Miguel Silva apenas se federou nos iniciados. Naquela altura a formação do clube apenas entrava em torneios com a equipa mais nova, os infantis. Mesmo assim, Miguel Silva chegou a dar nas vistas e inclusivamente foi prestar provas ao V. Guimarães, mas não convenceu os responsáveis do clube.

Aproveitou-o o Vizela, «com melhores condições para o ajudar a evoluir». Mas, dos tempo do Ponte, evoluiu por lá dois anos, sobram elogios para o miúdo e para a família. «Com onze anos tinha uma família muito interessada, que o acompanhava sempre e não o deixava andar por aí. Era muito calmo, respeitador e respeitado por tudo e todos», atira o técnico.

Formação no Vizela: «Nunca tremeu»

Os elogios estendem-se a Dinho, treinador de Miguel Silva no primeiro ano de júnior, no Vizela. O guarda-redes esteve cinco anos na formação do clube termal, onde jogava nos juniores ainda com idade de juvenil.

«É daqueles que dá gosto trabalhar com ele. Quer muito apreender e é muito equilibrado emocionalmente. Tem os pés bem assentes na terra, é muito humilde e tem um espírito de grupo fantástico. Gosta de brincar no balneário, mas sabe quando é para trabalhar. Tenho falado no Miguel porque é um exemplo»
, diz Dinho ao Maisfutebol.

Sobre as qualidades do jovem guarda-redes, o treinador dos vizelenses não tem dúvidas. Dinho relembrou que já jogava nos juniores, nos campeonatos nacionais, quando ainda tinha idade de juvenil.

«Era juvenil e fez alguns jogos nos juniores, jogos importantes nos nacionais, e nunca tremeu. Como guarda-redes tem qualidade para ser um dos melhores; tem altura suficiente e muita presença na baliza. Penso que com mais dois ou três jogos na baliza, para se ambientar e se entrosar, pode ser uma certeza na baliza do Vitória», afirma Dinho.


Miguel Silva (Foto: Facebook Vitória Guimarães)

Epílogo com dois penáltis defendidos nas Aves

Depois de cinco anos na formação vizelense, Miguel Silva despertou, finalmente, o interesse daquele que é o seu clube. Natural de Santa Eufémia de Prazins, freguesia do concelho de Guimarães, é um adepto confesso do V. Guimarães.

Mas não teve tarefa fácil. A concorrência apertou, chegou na derradeira fase da formação e teve de esperar por oportunidades. Quando as teve não deixou passar e estreou-se na equipa B ainda com idade de júnior. Precisamente diante do Vizela, defendeu as cores do Vitória no Campeonato Nacional de Seniores, a 26 de janeiro de 2014.

Esta época começou como suplente da equipa B, mas à primeira oportunidade agarrou o lugar e chamou a atenção de Sérgio Conceição com ma exibição memorável no jogo com o Desportivo das Aves a contar para a II Liga.

Susteve duas grandes penalidades no mesmo jogo, para além de um sem número de defesas quase que milagrosas. Passou a trabalhar com a equipa principal, uma posição que saiu reforçada em virtude da lesão de Assis.

Estreia a cantar e a ambição de chegar aos sub-21

No último sábado assumiu as redes da equipa principal do Vitória em pleno estádio do Bessa. A titularidade foi-lhe revelada por Sérgio Conceição instantes antes do aquecimento. Espanto geral, até porque Douglas estava em perfeitas condições.

«Fiquei surpreendido por vê-lo na baliza na medida em que estava lá o outro guarda-redes, mais experiente, e nem sequer estava lesionado. Não me surpreende que tenha sido aposta do Sérgio Conceição pelo seu grande valor, porque de facto tem muita qualidade», assume Dinho sobre a estreia do seu ex-pupilo.

A surpresa também foi grande para Braguinha que confidencia parte da conversa que teve com o jovem de vinte anos. «Ainda ontem falei com ele. Quando lhe disseram que ia ser ele a jogar diz que sentiu um formigueiro na barriga, mas depois, no aquecimento perto da baliza dos adeptos do Vitória, que estavam na bancada por cima, só se imaginava lá a cantar no meio deles. Depois do medo tudo passa e fez uma exibição segura»
, afirma sem conseguir esconder o orgulho.

As declarações de Jorge Braguinha fazem de imediato a ponte com outro dos pontos altos da exibição de Miguel. Enquanto aquecia imaginava-se no meio dos adeptos. Em pleno jogo passou da imaginação aos atos e, enquanto estava na baliza, acompanhou os cânticos das claques.


Miguel Silva a entoar as músicas da claque durante o jogo

Um a situação que não passou despercebida, notória até pelo bombardeamento de que o jovem guarda-redes foi alvo nas redes sociais, com a partilha do vídeo em que é apanhado a cantar se torna viral.

«O seu clube é o Vitória. É, como todos os outros, um adepto fervoroso e não me admira nada esse sentimento. O Vitória deve conciliar a qualidade dele com o clubismo que tem», atira Dinho com sorrisos. Braguinha completa: «É vitoriano e desde pequeno já ia ao estádio. Estava a cantar como uma forma de terapia, para lhe aumentar a autoestima».

O primeiro treinador, que lhe ensinou as primeiras técnicas, augura um futuro risonho ao seu ex-atleta. Fã de Gianluigi Buffon, Miguel Silva quer agarrar as redes do V. Guimarães e, no futuro imediato, chegar à seleção sub-21. O próprio murmurou a Jorge Braguinha.

«A ambição do Miguel é grande, mas ao mesmo tempo tem os pés bem assentes no chão. Sabe que foi só um jogo e não se vai iludir. A família está orgulhosa dele e eu também estou. Primeiro quer impor-se na baliza de Vitória e depois ver se ainda consegue chegar à seleção sub-21».