No Vitória há quem não receba há três meses mas sustente um camarote, quem já tenha estado perto de ser despejado de casa por não ter como pagar a renda, quem jogue sem poder pensar na conta bancária, quem pague quotas e não assista aos jogos, quem mande sem mandar, quem governe na sombra, quem se preocupe porque sim, quem critique porque sim, quem profetize o fim do histórico clube de Setúbal.
Não há dinheiro, o Sindicato de Jogadores não é uma opção, a Comissão de Gestão está demissionária, o projecto do novo estádio continua por endireitar depois de torto nascer, mas há quem esteja optimista ou, pelo menos, tente sê-lo quanto ao presente e futuro do quase centenário Vitória. O Maisfutebol falou com alguns, num Bonfim distante dos adeptos e que continua a servir de atalho aos estudantes.
«É a imagem da actualidade, agravada pelos resultados desportivos», disse o capitão de equipa Sandro, ausente dos relvados, devido a lesão, um rosto familiar para a maioria dos setubalenses. «Sou daqui, encontram-me na rua, falam, desabafam, compreendem... Todos pensam que sabem tudo e ninguém sabe de nada», contou o médio, que até sabe mas não pode contar.
Carlos Costa, antigo dirigente, é empresário de prestígio junto da banca e, alegadamente, o único capaz de concretizar um empréstimo de 1,5 milhões de euros para tirar o Vitória do abismo. Ninguém confirma, desmente ou comenta. Nem o próprio. Voltemos aos factos.
«Já passei por várias crises, mas nunca como esta. Sempre houve alguém para dar a cara e agora somos nós a ter de o fazer. Não há uma palavra de conforto», recordou Sandro, que contribui para as finanças do Vitória com o seu camarote, apesar de não receber qualquer salário há três meses. «Fazem-me um desconto de 50 por cento.»
Michel, que marcou o golo de honra na goleada da última jornada nos Barreiros, esteve perto de ser despejado por não poder pagar a renda, mas tudo acabou por resolver-se. Sandro já lhe tinha oferecido gratuitamente a casa onde durante alguns meses viveu Cissokho, mas o defesa acabou por conseguir acertar contas com a senhoria.
O «amor» que existe, mas não se sente
Ao mesmo tempo que Sandro e o plantel aguardam «boas novidades», para que a equipa «possa concentrar-se a 100 por cento e conseguir a manutenção», também Tomé, velha glória do Vitória, e José Rocha, antigo jogador e treinador, partilham a expectativa.
«Os adeptos sofrem de duas maneiras: choram quando estamos menos bem e choram quando estamos bem. Isso é amor», contou Tomé, tutor dos jovens da formação do clube. «Estou optimista porque o Vitória não faz só falta a Setúbal e sim ao país. Mas a família vitoriana tem de unir-se, só assim será forte», alertou.
«Sinto bastante tristeza. É um clube enorme, que já deu grandes alegrias aos adeptos e aos portugueses, fosse a nível nacional ou nas competições europeias», admitiu José Rocha. «É lamentável que numa cidade como Setúbal não se consiga resolver a situação», acrescentou, apelando à união.