Concorde-se ou não com as ideias, há poucas pessoas que falam/escrevem de futebol como Jorge Valdano. Em entrevista à revista argentina «Nos Digital», o antigo jogador, treinador e dirigente debruça-se sobre os problemas do futebol do seu país, fala da «luta» entre tática e técnica e ainda do «eclipse» dos «10».
Valdano começa por deixar um aviso ao seu país. «A Argentina perdeu o amor à bola», defende. «Os adeptos parecem mais seduzidos pela coragem do que pela habilidade. Os meninos pedem aos Reis Magos uma camisola de um clube, e não a bola. Na formação o desejo de ganhar está acima do desejo de ensinar. O império da tática e da preparação física impôs-se à técnica», acrescenta.
Um conto de Negro Fontanarrosa serve depois de inspiração para, com algumas alterações pelo meio, Valdano reforçar a ideia: «Um menino está sentado num banco, ao lado de uma bola. De repente levanta-se e vai, ao que parece, esquecendo-se da bola. Até que acontece algo maravilhoso. Ao chegar à esquina o menino roda a cabeça e assobia. E a bola, obediente como um cão, sai de baixo do banco e segue-o. Esse é o sonho platónico de qualquer argentino desde que nasce: que a bola lhe obedeça a esse ponto.»
Valdano diz mesmo que Maradona «é adorado não pelo que jogava futebol, mas pelo bem que jogava à bola». «Perder esse capital sentimental é muito grave», remata.
O ex-jogador considera que países como Espanha, Alemanha, México e até Itália estão a fomentar essa relação especial com a bola. «Vejo a Espanha a fazer coisas que a Argentina fazia há trinta anos, e vejo a Argentina a fazer coisas que a Espanha fazia há trinta anos. Não o digo para elogiar a Argentina», conclui.
O fim dos «10»?
Valdano diz que a culpa é da «obsessão tática». «A tática oculta a técnica e dá mais importância ao treinador do que ao jogador. E a outra causa é a desesperação pelo resultado. Só ataca quem está a perder. A maioria dos treinadores ama mais o resultado do que o jogo. Por isso Guardiola é o grande revolucionário dos dias de hoje. Por ter alcançado os resultados através do amor ao estilo, ao jogo, ao jogador», defende.
Já no que diz respeito ao mítico jogador «10», Valdano entende que está a «ser anulado pela tática». «É a obsessão pela pressão. O Arrigo Sacchi, que no Milan revolucionou o futebol sem bola, já dizia que era «meio jogador». Desde então todos se sentiram com autoridade para menosprezar o número 10. Foi trocado pelo duplo pivot, exilou-se na frente, nos flancos ou no banco de suplentes. No Itália 90 o Roberto Baggio via a vulgaridade da sua equipa a partir do banco de suplentes. Uma autêntica aberração», afirma.
Mas quando perguntam a Valdano se Riquelme é o último «10», este discorda. «Os bons jogadores são mais resistentes que as ervas daninhas», sustenta, acrescentando um detalhe: «Mas não devemos pensar num jogador que caminha pelo campo e toca na bola de dez em dez minutos. Ele deve demonstrar a sua importância mostrando o mesmo fanatismo que aqueles que entram em campo para não deixar jogar.»