Três jogos consecutivos sem vencer na Liga. Um registo anormal para o FC Porto. Raríssimo. É preciso, aliás, recuar até à época de todos os males, 2004/05, para encontrar coisa assim. Ou pior. 

Em plena ressaca da glória europeia, os dragões tiveram dois ciclos semelhantes. E traumáticos.

Primeiro, três empates seguidos, em setembro: Sp. Braga (fora), Estoril (casa) e Leiria (casa). Mais tarde, outras três igualdades, entre dezembro e janeiro: Marítimo (fora), Rio Ave (casa) e Académica (fora).

Depois de vencer em Leiria, o FC Porto perdeu no Dragão por 1-3 contra o Sp. Braga. E Victor Fernandez caiu.

Mundo fértil em coincidências, o futebol volta a colocar um treinador do FC Porto nas mãos dos Guerreiros do Minho. Mais de oito ano depois.

O cenário não será um decalque perfeito do ocorrido no pós-Gelsenkirchen, mas há pontos coincidentes. Vários. Ora, por isso, o Maisfutebol entrevistou quem viveu na primeira pessoa o que Fonseca vive nos dias que correm.    

Comunicativo, simpático, curioso, Victor Fernandez aceita recuar no tempo em entrevista ao nosso jornal. «Sei perfeitamente o que está a sentir o Paulo Fonseca. Um jogo sem vencer no FC Porto é quase sempre uma catástrofe. Até um empate é. Ele tem de ser muito forte».

«Os jogadores que ficaram estavam cansados de ganhar»

Victor Fernandez ficou famoso em Portugal depois de uma goleada aplicada ao Benfica. O espanhol treinava o Celta quando as águias foram trucidadas por 7-0 em Vigo. Em 2005, após Luigi Del Neri ter sido devolvido à procedência, Pinto da Costa escolheu-o.

Apesar de ter conquistado a Taça Intercontinental e de ter qualificado o FC Porto para os oitavos-de-final da Liga dos Campeões, o técnico ficou marcado pelos maus resultados a jogar na condição de visitado. A 30 de janeiro de 2005 foi despedido.

FC Porto-Valência (Supertaça Europeia)



«O presidente veio ter comigo e explicou-me: 'Victor, não jogamos bem em casa, temos de mudar'. Ele precipitou-se, como já me disse algumas vezes, mas tive mesmo de sair. No FC Porto o nível de exigência é altíssimo», refere ao Maisfutebol.

Na altura, as notícias apontavam para um desentendimento entre Fernandez e Maniche nos vestiários. O médio entrou aos 66 minutos e foi expulso aos 86. Confrontado pelo treinador, terá reagido agressivamente.

Victor Fernandez sorri mas não nos confirma o episódio. «O importante é relembrar que o FC Porto ficara órfão de José Mourinho e de muitos dos jogadores que tinham sido campeões europeus. Os que ficaram talvez estivessem cansados de ganhar. Os que entraram eram meninos sem traquejo».

«Pinto da Costa enganou-se ao despedir-me»

Atirámos para a conversa os nomes de Pepe, Seitaridis, Carlos Alberto, Diego, Luís Fabiano... um plantel, em teoria, de luxo. «O problema era que muitos desconheciam o ADN do clube. Vinham de fora e precisavam de tempo. A genética do FC Porto obriga a vencer de imediato», vinca Victor Fernandez.

«É verdade que sentíamos muitos problemas a jogar em casa. Creio que por questões emocionais. Mas lembro a grande vitória sobre o Chelsea e a qualificação para os oitavos-de-final da Champions, além da Taça Intercontinental», continua o técnico espanhol.

FC Porto-Once Caldas (Intercontinental)



«Pedi mais tempo à direção e não mo deram. Respeito a decisão, mas erraram ao despedir-me. Estávamos no terceiro lugar, a um ponto do Sporting e a dois do Sp. Braga. Garanti ao presidente que seríamos campeões. Foi pena, aprendi a amar o FC Porto».

Os dados conferem alguma razão a Victor Fernandez. Os dragões acabaram a Liga a três pontos do Benfica de Trapattoni e caíram frente ao Inter nos oitavos-de-final da Champions.

«O presidente precipitou-se, mas continuamos a ter uma relação fantástica. Estou certo de que apoiará Paulo Fonseca até ao fim».

«Nunca tive quaisquer problemas com os adeptos»

Aos 53 anos, Victor Fernandez está sem clube. «Saí há algumas semanas do Gent [Bélgica] de forma surpreendente e injusta», explica. Antes, estivera no Saragoça e no Bétis, os únicos projetos na fase posterior ao FC Porto.

E um regresso ao Dragão, nunca esteve nos planos?

«Só lhe posso responder assim: tenho uma boa relação com a direção, ainda há dois meses falei com Antero Henrique e o FC Porto foi o clube que melhor impressão me deixou. Pela organização, pelo espírito, pelo culto à vitória. Fui muito feliz pessoal e profissionalmente no Porto», responde Fernandez.

«As pessoas do clube conhecem-me e sabem como trabalho. Com os adeptos nunca tive quaisquer problemas. Por isso, creio que está tudo dito».

«O Atlético Madrid é uma equipa dificílima»

No dia 11 de dezembro, o FC Porto jogará uma verdadeira final europeia em Madrid. Os dragões estão obrigados a derrotar o Atlético e a aguardar uma ajuda do Áustria Viena.

Victor Fernandez, regressado a Espanha, confessa-se «impressionado» com a equipa montada por Diego Simeone. O antigo treinador do FC Porto prevê uma tarefa hercúlea aos dragões no Vicente Calderón.

«Estou a torcer pelo FC Porto, mas depende muito do que o Atlético fizer e quiser. Se o Simeone poupar alguns titulares, as possibilidades de sucesso do Porto aumentam», começa por referir.

«Ainda assim, nunca será fácil. Mesmo os jogadores menos utilizados transportam para o campo o caráter do seu treinador. Dou o exemplo do Koke. Tem um espírito notável, carrega no relvado todas as palavras do técnico. É um dos meus favoritos».

Victor Fernandez descreve o Atlético Madrid como uma equipa «objetiva e decidida». «O Simeone tornou o clube competitivo, agressivo, sólido e solidário. Não há egoísmo nem manias em campo. Só um grande FC Porto passará em Madrid».