Decorria o 21º minuto do Barcelona-Celta quando, na resposta a dois tempos a um livre de Orellana, Victor Valdés fez aquela que deverá ter sido a sua última defesa com a camisola do seu clube de sempre.

O remate do chileno, sobre a meia esquerda, fez um arco pronunciado, a bola sobrevoou a barreira e desceu, em posição central, permitindo uma defesa fácil. Tão fácil que, sem adversários por perto, e para evitar riscos de um encaixe deficiente, Valdés opta por saltar e amortecer a bola contra o chão, para a recolher depois.

É no momento em que as pernas tocam o chão que o apoio do pé direito falha e o peso do corpo se transfere para o joelho. Este cede, dobrando de forma antinatural. Valdés desequilibra-se, sente um primeiro momento de dor, mas os reflexos trabalhados durante anos falam mais alto: apoiado na perna esquerda projeta-se para a frente e agarra a bola, evitando a recarga de Cabral. Depois levanta-se, apoiando-se na perna lesionada. Ainda ensaia um passo, antes de se render às ondas de dor que começam a chegar ao retardador e à evidência de que algo está seriamente mal no seu joelho.



Passam três minutos até sair de maca, tapando a cara com as mãos. Puyol e Xavi, na bancada, trocam monossílabos inquietos. E, aos poucos, o público do Camp Nou começa a perceber que não deverá voltar a ver em ação, naquele estádio, o melhor guarda-redes dos 115 anos de história do Barcelona.



O rótulo talvez ainda não seja consensual, num clube que tem como maiores referências na baliza os nomes de Ricardo Zamora (anos 20), Ramallets (de 1950 a 1962) e Zubizarreta (de 1986 a 1994). Convém não esquecer que os dois primeiros anos a titular coincidiram com uma fase de grande instabilidade do Barça, que fechava um ciclo de cinco anos sem títulos de campeão. Por outro lado, Valdés vinha na sequência de uma série de apostas falhadas em guarda-redes da «cantera» - depois de Arnau, Busquets e Pepe Reina, os inevitáveis erros de juventude faziam-no parecer apenas «mais um» a não aguentar a pressão de uma equipa de topo.

Mas com Rijkaard, primeiro, e com Guardiola, depois, Valdés foi afastando dúvidas, até se tornar, a par de Puyol e Xavi, uma das grandes referências na década de sonho dos catalães. A sobriedade entre os postes, a confiança nos duelos e os progressos evidentes no jogo de pés, aspectos fundamentais para uma equipa com defesa subida, transformaram gradualmente a desconfiança em apreço. Primeiro no Camp Nou, depois, mais lentamente, no futebol espanhol e europeu.

Tapado por um «monstro» chamado Casillas, só em 2010, oito anos depois da titularidade em Barcelona, se estreou na «roja», e só com o ocaso do capitão «merengue» no seu clube se afirmou perante Del Bosque como opção credível para titular. Aescolha do selecionador era um dos focos de interesse para a campanha espanhola no Brasil, mas o diagnóstico de ruptura de ligamentos, com seis meses de paragem, faz com que, a titular ou suplente, o Mundial fique fora do cenário para o homem de Hospitalet.



Foi desde que anunciou, em 2013, que não renovaria contrato com os catalães no fim desta temporada, Valdés começou a receber os créditos que a vocação ofensiva do Barcelona foi adiando. O rótulo de «melhor guarda-redes da história do clube» foi avançado, sem hesitações, por Messi himself, há mais de um ano e é sustentado pelos números. 

Em 12 épocas, e mais de 600 jogos oficiais pelo Barcelona, Valdés consolidou um dos palmarés mais ricos do futebol europeu: três Champions, dois Mundiais de Clubes, duas Supertaças Europeias, seis títulos de Espanha, duas Taças, seis Supertaças, além dos dois títulos de seleções com a Espanha, em que não jogou. A isto, junta um recorde particular, partilhado com Ramallets, o de ter conquistou por cinco vezes o troféu Zamora, para guarda-redes menos batido da Liga. Ninguém fez melhor em Espanha. Ninguém fez melhor no Barcelona. Para muitos, a frase só ganhou foros de evidência nesta quarta-feira, ao vê-lo deixar o relvado, de maca, para a mais imprópria das despedidas.