Na Divina Comédia de Dante Alighieri, chega-se ao Inferno através de Nove Círculos, Três Vales, Dez Fossos e Quatro Esferas. Flávio Paixão não precisou de andar tanto para lá chegar. Em cinco horas e meia [duas de avião, três e meia de autocarro], o avançado português deixou o paraíso, passou pelo purgatório e alcançou à cidade de Yasuj. O seu Inferno privado.

Jogo a contar para a Taça do Irão. Flávio, avançado do Traktor, chega ao estádio do Shahrdari Yasuj. O choque é imediato, hediondo. «A nossa comitiva foi logo agredida. Mal chegámos ao estádio deles. Fugimos para o balneário, muito pequeno, e aguentámos até ao início do jogo. Qualquer pessoa podia entrar lá porque a polícia não fazia nada», conta ao Maisfutebol.

Um golo aplaudido por 60 mil (vídeo)

Começa o jogo. Pedras espalhadas pelo relvado, um árbitro pactuante com o caos, ofensas verbais e corporais durante intermináveis 120 minutos. Flávio Paixão foi das principais vítimas. «Levei com uma pedra em cheio na perna. Nunca vivi nada assim e não voltarei a viver, de certeza. Foi o terror absoluto, vi o inferno.»

O desabafo é contínuo. Compreensível. «Fomos atingidos com paus, maçãs, garrafas, telemóveis¿ Era impossível jogar perto das linhas, por exemplo. O campo era pequenino, as bancadas estavam a abarrotar e ficavam mesmo em cima do relvado. Se ganhássemos não sei o que aconteceria.»

O Traktor, de Flávio Paixão, perde no desempate por grandes penalidades. O português fez um golo e celebrou num silêncio imposto. «Avisaram-me logo para não festejar. Tive medo, o cenário era assustador.»

43 graus e nem uma gota de água

E a polícia? O que fez a polícia para evitar a tragédia anunciada e, por sorte, não consumada? «Nada, ou quase nada. Os dirigentes do meu clube queixaram-se, procuraram ajuda e os agentes diziam que estavam limitados. Estavam cheios de medo daquela gente toda descontrolada», lamenta, ainda mal refeito do susto.



O episódio, dantesco, não apaga a boa imagem criada por Flávio Paixão do Irão. «Até agora estava a ser excelente. É uma cultura radicalmente diferente, mas as pessoas são amáveis e respeitam-me. Já fiz quatro golos ao serviço do Traktor e tenho o apoio do Rodrigo, um colega brasileiro. Vou continuar por cá e tentar esquecer isto rapidamente.»

O relato, impressionante, deixa a família em alerta máximo. A felicidade só poderá ser reencontrada com golos e boas exibições. «Já falámos e eles sabem que estou bem. Agora só espero que o meu irmão Marco arranje clube e possa voltar ao activo.»

O Inferno fica para trás. Flávio acredita no paraíso persa.

Veja o ultimo golo de Flávio Paixão (3m30):