Para trás já ficaram quase oito mil quilómetros e nove horas de viagem de avião. A mais longa viagem da história das competições europeias foi apenas o ponto de partida para a epopeia do Benfica na estreia no Cazaquistão. O resto só se conhecerá a partir do momento em que a bola voltar a rolar, mas não é difícil antever dificuldades.

O adversário, o Astana, está longe de ser uma equipa temível do futebol europeu, mas todas as condicionantes tornam este jogo especial. Além do adversário, o Benfica terá de encontrar forma de ultrapassar o desgaste da viagem, o jet-lag, o frio, o piso sintético e, por fim, o peso da terceira derrota com o Sporting esta época, no último sábado.

Muitas características especiais para um jogo que, sabia-se desde o sorteio, teria sempre o lado inusitado. Basta, de resto, olhar para o mapa mundo e perceber o que andou o Benfica para poder disputar este embate da Champions…


A viagem Lisboa-Astana

Ora, para perceber melhor o que vai encontrar o Benfica, esta quarta-feira, em Astana, o Maisfutebol conversou com Carlos Fonseca. O avançado português, antigo jogador do Feirense, esteve os últimos cinco meses no Cazaquistão ao serviço do Irtysh de Pavlodar, por empréstimo dos búlgaros do Slavia Sofia.

Em conversa com o nosso jornal, via telefone, o português frisa que só defrontou o Astana em casa, mas, ainda assim, é conhecedor do potencial do rival encarnado e, mais do que isso, da realidade do país.

Comecemos então por aí, tendo Carlos Fonseca como cicerone. «O país é muito grande, as cidades são muito distantes umas das outras. A cada jogo havia sempre viagens de avião. Uma hora, duas horas. Não era boa ideia ir de autocarro, mesmo em deslocações mais curtas, porque as autoestradas não são grande coisa», descreve.

Entrando nas dificuldades que o Benfica terá pela frente, o avançado começa por destacar a viagem. «É desgastante, claro. É muito grande. Sobre isso não há nada a fazer», comenta.

Já no que diz respeito à diferença horária (seis horas mais do que em Portugal), acredita que possa ser contornada. «O jogo é às três da tarde não é? Pois, deve ser, mais ou menos, pela hora que costumam [Benfica] treinar, portanto por aí será normal», comenta.

De facto, o Benfica fretou um avião charter, com camas, para que os jogadores possam, nesta incursão em território asiático, manter os horários de Portugal e minimizar os efeitos do jet-lag.

Carlos Fonseca recorda-se bem do que sofreu: «Para dormir ao início foi complicado. Andei um mês e meio com problemas, antes de ficar adaptado. Não conseguia dormir antes das quatro ou cinco da manhã. Tive de andar com comprimidos para dormir, inclusive.»

Curiosamente, o dado mais incrível até é o horário do jogo para a Youth League entre as mesmas equipas: está agendado para as 7 horas da manhã portuguesas. O que significa que, quando o relógio estiver pelas cinco da madrugada, os juniores encarnados estarão a chegar ao estádio para ultimar o embate...



Carlos Fonseca nos tempos do Feirense

Frio e sintético não serão problema

Depois da viagem e do fuso horário, vem o frio. Aí, Carlos Fonseca acredita que o Benfica não terá qualquer problema. Está em Portugal há poucas semanas (o campeonato terminou a 8 de novembro) e lembra que quando saiu «as temperaturas andavam em torno dos oito graus negativos».

«Agora é ainda pior, mas o campo do Astana é coberto e não vai ser tão frio para o Benfica. O país tem esse problema, mas está completamente preparado para o Inverno. Quase não se sente o frio. Só na rua, claro»
, sublinha.

Se a cobertura resolve um problema, o tapete traz outro. Não é natural, mas sintético. Algo comum no país: «Aqui é meio, meio. Metade das equipas tem relvado sintético, a outra metade natural.»

«Não creio que seja problema para o Benfica. Eu adaptei-me bem. Não joguei lá, mas sei que o sintético do Astana não é muito mau. Não é dos piores. Aliás, lá há sintéticos muito bons», garante.



A Astana Arena

Por fim, vem então o valor do adversário. Para Carlos Fonseca, completamente ao alcance do Benfica. Mesmo que Galatasaray e Atlético Madrid tenham deixado pontos em Astana. «Sinceramente, vi os jogos e não tenho dúvidas que facilitaram. Deixaram-se levar pelo nome do adversário e depois já era tarde», critica Carlos Fonseca.

«O Benfica é favorito e só tem de não facilitar. Se não facilitar ganha fácil», vaticina.

«Gonçalo Guedes pode rebentar com o lateral; se eu consegui…»

Carlos Fonseca não acha que o Astana seja, sequer, a melhor equipa do Cazaquistão. «Para mim é o Kairat Almaty», defende. Foi o rival do Benfica a garantir o título, contudo, com um ponto à maior. 

«O Astana tem uma boa equipa mas é prejudicada a nível interno por causa do limite de estrangeiros que existe. Têm oito ou nove e só podem jogar cinco. Na Liga dos Campeões é diferente, jogam praticamente todos», frisa.

Esse é, aliás, um dos problemas que deteta no futebol local e que impede que cresça mais. «O que o Astana conseguiu foi um milagre. Tão cedo não acredito que se possam ver outras equipas do Cazaquistão na Liga dos Campeões», projeta. E explica: «O país pode crescer para o futebol mas algumas coisas precisam mudar. O limite de estrangeiros nos tempos que correm complica muito. E também têm uma quota de jogadores sub-21 a preencher. Mas já há equipas com jogadores muito bons.»


Por fim, sobre o jogo em si, Fonseca espera um Astana «a jogar muito defensivamente e a tentar o contra-ataque».

«O ponta de lança, o Junior, é bom jogador, é preciso ter atenção. O defesa esquerdo ataca bem, mas a defender não é muito bom. O Benfica pode explorar isso. Se o Gonçalo Guedes pode aproveitar? O Gonçalo rebenta fácil com ele. Se eu rebentei...», atira entre risos.


A gélida Astana em novembro