Dani jogou no Atlético Madrid nos anos do Inferno. Foi o próprio clube que chamou assim às duas épocas que passou na II Divisão. O regresso à Liga foi apenas há 11 anos e hoje esse passado conturbado parece tão distante. O Atlético que se vê agora em campo e que está a fazer um fantástico início de época, antes de visitar o FC Porto na terça-feira para a Liga dos Campeões, é fruto de uma mudança profunda. Uma equipa a crescer, sólida, estável e com identidade.

Olhando para o passado e para o presente, Dani encontra duas ideias-chave por trás desta mudança. A primeira: «A diferença é a estabilidade interna do clube, que não existia naquela altura.» O antigo jogador e atual comentador da TVI, que subiu com o Atlético à Liga em 2002, recorda ao Maisfutebol um período de convulsões que partia do topo. Era o fim da omnipresente e polémica presidência de Jesus Gil y Gil, o dirigente que foi o rosto do clube durante quase duas décadas e que acabou o consulado envolvido em vários casos, relacionados com o que fez no clube e como autarca de Marbella.

Dani viveu de perto esses tempos. «Havia sempre um grande conflito entre a famíllia do ex-presidente, a família Gil, e uma nova linhagem que queria entrar na estrutura. Enquanto não se sabia quem mandava na estrutura o clube não conseguia encontrar soluções. Depois de encontrar essa estabilidade, foi mais fácil o plano desportivo evoluir», nota Dani. «Agora vê-se um treinador com vários anos de casa, que tem um rumo, que tem jogadores também com passado no clube. Foi o que falhou durante alguns anos, porque se alterava grande parte do plantel todos os anos. Era difícil.»

Embora a propriedade do clube continue em grande parte nas mãos da família de Jesus Gil, o foco no At. Madrid foi mudando. «Os objetivos normalmente eram definidos para o momento, para o jogo seguinte. Pensava-se jogo a jogo. Os frutos que estão a colher devem-se a terem pensado as coisas a prazo», nota Dani.

Acabou a dança permanente de treinadores que era uma das marcas de Gil y Gil e fez-se um trabalho de crescimento gradual. Um trabalho, e essa é para Dani a outra chave fundamental para ler este novo Atlético, que passou por recuperar a identidade do clube.

Isso fez-se com Diego Simeone. 
Além da qualidade de trabalho de que já tinha dado provas e que é evidente em Madrid, o  argentino é um homem da casa. «Cholo» Simeone, como lhe chama a afición, antigo médio, jogou três épocas no Calderón nos anos 90, voltou em 2003 para mais duas temporadas e está no coração dos colchoneros. Fez parte da equipa que ganhou o último título da Liga espanhola, em 1995/96. Aliás, essa foi época de dobradinha, que o Atlético também levou a Taça.

«O Atlético está a fazer um trabalho óptimo e o Simeone é um treinador que tem muito a ver com a identidade do clube», analisa Dani, para depois tentar explicar o que é isso de ser Atlético. «É uma atitude de raça, de querer.» Mas com «pedigree», digamos: «Isto sem deixar de ter um ou dois jogadores que sejam de grande qualidade.»

«Há uma paixão enorme dos adeptos do At. Madrid e o futebol espectáculo também faz parte da identidade do clube. Sempre foi assim, basta lembrarmo-nos do Futre, mas não só. Havia um, dois três grandes jogadores, normalmente um na defesa, um no meio-campo que tinha um futebol brilhante e um finalizador. No tempo do Futre havia também o Schuster, por exemplo.»

Com Diego Simeone, que chegou em dezembro de 2011, o Atlético consolidou todos esses sinais de crescimento. Dani: «Agora vê-se um treinador com vários anos de casa, que tem um rumo, que tem jogadores também com passado no clube. Foi o que falhou durante alguns anos, porque se alterava grande parte do plantel todos os anos, era difícil. Recuperar a identidade foi um dos grandes trabalhos do Atlético Madrid. Isso não aconteceu por acaso.»

Não é só Simeone. O trabalho diário no futebol está entregue a antigos homens da casa, da direção desportiva à formação. «Recuperaram também muito a identidade do clube. O Caminero é do tempo do Simeone, o Aguilera, que é atualmente é o diretor da formação, também. Tudo isso ajuda a que o clube recupere valores do passado. Têm dirigentes e treinadores que estão muito ligados ao Atlético.»

«É uma equipa à imagem do Simeone, que começou por conseguir marcar uma posição dentro da Liga espanhola. O título, com a hegemonia e a dimensão do Barcelona e do Real Madrid, vai ser muito difícil, mas o Atlético afirmou-se logo atrás. Desde há muitos anos que não se via um trabalho tão sólido e uma estrutura para o futuro», reforça Dani.

A equipa tem sabido renovar-se e crescer. Também é uma das marcas do Atlético. Um clube que faz estrelas, mas acaba por ter de as ver partir. Foi assim com Fernando Torres ou Aguero. E outra vez esta temporada, quando perdeu Falcao. O avançado colombiano partiu para o Mónaco, ele e os 34 golos que marcou na última época, mas a equipa não está a acusar a sua saída, neste arranque de época. Foi buscar David Villa e Léo Baptistão e fez crescer Diego Costa, que já lá estava. Isso também não é por acaso, diz Dani. «Começam a preparar-se cedo. Eles vendem e conseguem um excedente financeiro que ajuda muito. E têm jogadores jovens, que no futuro garantem essas posições.»

Nos últimos cinco anos, o Atlético venceu duas vezes a Liga Europa. A primeira em 2009/10, com Quique Flores no banco, a segunda em 2011/12, já com Simeone. Até então, o único troféu europeu europeu do clube era a Taça das Taças ganha em 1962. Além disso, venceu duas Supertaças Europeias, em 2010 e 2012. Na época passada terminou a Liga espanhola em terceiro lugar e ganhou a Taça do Rei ao Real Madrid. 

Esta época arrancou com sete vitórias na Liga espanhola, o seu melhor início de sempre, e acaba de quebrar um longo período de 14 anos sem ganhar ao Real Madrid para a Liga, além de ter vencido o Zenit na primeira jornada da Liga dos Campeões. Perdeu a Supertaça para o Barcelona, mas sem sair derrotado nos dois jogos (1-1 na primeira mão e 0-0 na segunda).

O Atlético subiu de patamar. Dani: «Já se começa a ter o hábito de ver o At. Madrid na Liga dos Campeões, a dar luta ao Real Madrid e ao Barcelona. As duas vitórias na Liga Europa, as presenças na Champions, já se começa a olhar para o At. Madrid como uma equipa que quer repetir a sua história, quer reeditar êxitos.»

E em que ponto de afirmação está esta equipa? Já há quem aposte nela para se intrometer na discussão desta Liga dos Campeões, será cedo? Dani não define uma meta, mas coloca o Atlético ao nível de outra equipa apontada como «outsider» desta Champions, com potencial para irem avançando: «Já pode lutar, à imagem do Nápoles, pelos quartos de final, pelas meias-finais. Depois logo se vê.»

Este Atlético já tem mais caminho percorrido do que o FC Porto de Paulo Fonseca e é por aí que Dani começar por abordar o jogo de terça-feira, no Dragão. «Se calhar vamos ver um Atlético mais sólido, pelas circunstâncias, porque tem uma equipa e um treinador já com mais tempo de trabalho juntos. O Paulo Fonseca ainda está a construir o seu fio de jogo no FC Porto, o At. Madrid é uma equipa que já tem isso.» Como ponto de partida, Dani antevê um jogo entre «duas equipas que são parecidas, gostam de jogar o jogo pelo jogo, gostam da bola». «O Atlético pode começar numa atitude mais expectante, mas acredito que será um jogo aberto», conclui: «Vai ser seguramente um jogo intenso.»