O Benfica resistiu à evolução dos tempos até 1 de Julho de 1978. Em Assembleia Geral Extraordinária, os sócios acabaram por aprovar uma medida comum entre as outras equipas portuguesas. Um ano depois, a 11 de Agosto de 1979, o brasileiro Jorge Gomes transformava-se no primeiro estrangeiro a vestir a camisola encarnada.
30 anos depois, o Maisfutebol apresenta um retrato da época, recuperando os contornos de um Benfica determinado a quebrar um ciclo sem vitórias. O F.C. Porto conquistava o bicampeonato e, a meio desse percurso, Chalana deixava o aviso: «O Benfica necessita de olhar para o futuro muito a sério, pois não há dúvida de que se está a deixar ultrapassar pelo F.C. Porto.»
Recuemos até Julho de 1978. Adriano Afonso presidiu a uma das Assembleias Gerais mais longas de sempre. Foram oito horas, com 1.468 sócios à entrada e apenas 534 à saída. Destes, 472 aproveitaram a utilização de estrangeiros, contra 62 votos contra. Caía a resistência.
Arranca a temporada 1978/79, mas John Mortimore não é feliz e começa a adivinhar-se uma mudança. A 25 de Junho do ano seguinte, entra Mário Wilson. O defeso ficaria marcado pela contratação de Jorge Gomes, avançado brasileiro do Boavista, enquanto João Alves era transferido para o PSG, a troco de soma estrondosa.
Jorge Gomes em duelo com Sporting
O Sporting tinha tudo acertado com Jorge Gomes. O próprio jogador, recordando a história para o Maisfutebol, admitiu a sua surpresa quando Romão Martins, director-desportivo do Benfica, surgiu no aeroporto de Lisboa, para selar a transferência com o presidente do Boavista: Valentim Loureiro.
«Eram seis da tarde de segunda-feira, recebi um telefonema de Romão Martins, dizendo-me que a cedência do Jorge Gomes valeria dois mil contos. Eu pedi quatro mil. Romão Martins imediatamente respondeu-me que estava fechado o negócio», explicava Valentim em «A Bola», a 28 de Junho de 1979. O avançado foi de férias com contrato assinado, mas este seria um Verão quente entre águias e leões.
No «Mundo Desportivo», a 12 de Julho, Jorge Gomes esticava a corda. «Tenho o interesse de clubes de grande nomeada, como o Sporting e o F.C. Porto. A oferta de 200 contos de luvas e 100 contos de ordenado está abaixo do que pretendo», avisava. Mais tarde, já no final da novela, explicaria o sucedido: «O senhor João Rocha (ndr. Presidente do Sporting) esteve comigo no Brasil, chegando mesmo a apresentar-me um contrato para eu assinar. Mas eu já tinha contrato assinado com o Benfica».
«Vou dar tudo para corresponder»
«Confesso que me sinto muito orgulhoso por ser o primeiro estrangeiro a jogar neste grande clube. Vou dar tudo para corresponder a esta honra», prometia o brasileiro, enquanto o presidente do Benfica combatia a oposição. «Não está nas minhas intenções fazer integrar, exageradamente, estrangeiros na equipa do Benfica, sejam eles brasileiros ou não», garantia Ferreira Queimado.
Jorge Gomes acabaria por brilhar pouco. Estreou-se num jogo amigável no Estádio do Bessa. O Benfica venceu o Boavista por 2-0, a 11 de Agosto de 1979, no primeiro encontro com um jogador estrangeiro vestido de encarnado. O primeiro golo surgiria frente ao Aris de Salónica, para a Taça UEFA, mas soube a pouco. Tapado por Nené e Reinaldo, condicionado por lesões, Jorge Gomes foi perdendo espaço.
Em Dezembro desse ano, o clube da Luz realiza a primeira transferência internacional. Ferreira Queimado viaja para Brasil e garante a contratação de César, avançado do América. 23 anos, 12 golos marcador, 1,73 metros de jogador. 10 mil contos. A estreia surge no dia 26, frente ao Estoril, mas o intenso nevoeiro deixou até dúvidas: César jogou mesmo? Um golo no final da época, valendo a Taça de Portugal frente ao F.C. Porto, confirma as credenciais.
Os estrangeiros vinham para ficar. E como as coisas mudaram em 30 anos. Já na actual pré-temporada, frente ao Sunderland, o Benfica jogou sem qualquer português no onze inicial.