Aquela cara que tu fazes quando vês entrar o tal de Mourinho, o Especially Happy One, no teu consultório de pobre psicanalista- wannabe.

Não quero enganar ninguém, não sou psicanalista, psiquiatra ou self-made shrink, capaz de fazer encolher todos os problemas à sua insignificância, e nem estou a pensar estudar para isso. Não tenho muito, nem sequer um tinto à espera como tinha Fergie, para oferecer-lhe aqui, no meu pedaço tímido de Bombonera. Há umas cadeiras de plástico azul, já gastas, onde se estender, a vista para a cancha, uma imperial em copo descartável e pouco mais.

À noite, podiam ligar-se os holofotes da outra bancada, de onde se pendura Maradona celebrando cada golo bostero como se fosse seu e, quiçá, o melhor do novo século. Já repararam que tudo se parece a um camião monstruoso, de luzes que encadeiam, a ameaçar acelerar por ali fora e atropelar-nos, fazendo jus ao mais frenético filme de terror dos anos 80? Mas, se não olharmos diretamente, pode ajudar a criar ambiente. 

- Faça favor!

Não tenho canudo e é pouco, mas humor me. Please.

Podes convidá-lo a sentar-se, disfarçando a vénia, antes de unires as duas metades dos óculos que te caem sobre a bata. Fazes um olhar sério, compenetrado, preocupado, enquanto ele abre o botão do casaco para se sentar finalmente, ainda desconfiado. Tiras a caneta que o teu pai te ofereceu de entre várias outras, baratas, do bolso superior e apertas três vezes o mecanismo com o polegar. Clique. Clique. Clique.

Abres a boca, hesitas. Falsa partida. O juiz a disparar uma segunda vez para o ar. Por fim, perguntas, para quebrar o gelo

- Caro José, foi difícil dar com o sítio?

O olhar parado, em frente. Provavelmente, a rever um tal de Naismith a vingar-se três vezes do que fizeram a William Wallace, a ouvir repetidamente na cabeça a palavra gaffer, que lhe atiram a reclamar soluções. O encolher de ombros, o passar da mão pelos cabelos brancos, pela barba descolorida de galã aparada de três em três dias, e finalmente

- Um pouco. Ultimamente também tem sido mais complicado estacionar o autocarro…

Se o idiota do Will Ferrell pode escapar impune, por que não nós?

É um homem ocupado. Podíamos ter falado de Van Gaal, que, vão por mim, deve ter nascido na Bélgica e escapado até Amesterdão sem que ninguém o visse. Um holandês convida-nos para ficar para jantar em sua casa depois de horas a falar de bola e com 300 quilómetros por fazer de volta e sem áreas de serviço no caminho, um belga responde-nos em cruas bofetadas, dadas por mãos de lavrador, puxadas bem lá atrás. E, dizem, o holandês mantém sempre as calças vestidas mesmo que tenha de sublinhar que os tem no sítio perante um plantel inteiro e ou de sugerir que talvez sejam ainda maiores que os do velho Michael Thomas. Também poderíamos falar do Rodgers, do Wenger, do Pellegrini… Chit-chat!

- Não me chame arrogante, eu sei o que está a acontecer e o que fazer. Estou aqui apenas porque o Mr. Abramovich achou melhor…

O futebol mudou, José! E mudou-te. O teu FC Porto jogava à bola, o primeiro Chelsea arrasou na Premiership. No Inter, quiseste ser mais italiano que um italiano pode ser. Mais táctico do que os tácticos, o verdadeiro mestre é coroado a ganhar nos pontos fortes do adversário. Nos triângulos, nos princípios da compensação defensiva, nas zonas de pressão, nas transições. E depois paraste. O Real precisava do José do FC Porto e teve o Mourinho do Inter. O Chelsea quis ter alguém com frescura do Special One e teve apenas o Happy One. Já não chega, deu para um título, dificilmente dará para mais.

O futebol mudou-te e mudou contigo. Terry é metade do que foi, Cahill não é dos melhores do mundo, e Ivanovic também pode jogar mal. Azpi não é o melhor lateral esquerdo da Premier League, quando nem o direito conseguiria ser. E não entendo como não aproveitaste a irreverência de Cuadrado, a consistência de Filipe Luís e a criatividade de De Bruyne.

Não chegam os que fecham os olhos e vão contigo para a guerra, não podes tu fechar os olhos ao talento. Esquece a mania da perseguição, esquece o peito-feito para as balas e o querer carregar todo o peso do mundo. Não basta gerir homens, que até já deixaram de ser intocáveis para ti.

Agora, só uma coisa importa

- José, lembra-se de quando falava do Bentley e do Aston Martin? É altura de tirar a cobertura a ambos e começar a sair outra vez à rua.
 
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«ERA CAPAZ DE VIVER NA BOMBONERA»    é um espaço de opinião/crónica de Luís Mateus, sub-director do Maisfutebol, e é publicado de quinze em quinze dias na MFTOTAL. Pode seguir o autor no    FACEBOOK    e no    TWITTER   . Luís Mateus usa a grafia pré-acordo ortográfico.
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