O futebol nunca foi feito de uma só cor.

Nem foi sequer por uma vez monocromático.

Mesmo quando se reproduzia em pretos e brancos na Grundig de caixa castanha e arranque lento lá de casa, apresentou sempre demasiados cinzentos que definiam a sua complexidade. E de vez em quando alguma chuva.

Como a vida, aliás.

É por isso, ou também por isso, que o meu futebol, o que me deixa boquiaberto desde a tempestade dos papelinhos no Monumental de Nuñez em 78, e me entristeceu no Sarriá até poder voltar a sorrir na cauda de um cometa chamado Maradona, não é feito de verdades absolutas e muitas vezes até os clichés se apresentam menos Lapalicianos do que realmente são.

Justiça ou injustiça, jogar melhor ou jogar pior serão sempre meias-verdades ou mentiras relativas, porque implicam bem mais do que os conceitos com que estamos habituados a lidar.

Lembro-me de ouvir repetidamente gente com espírito crítico apurado a tentar desenterrar uma frase que resumisse todos os momentos de um jogo ou uma temporada inteira. Uma sentença. A absolvição, ou a condenação. Preto ou branco, e desenvolver a partir daí.

Não acho que o resultado seja conclusão em si mesmo porque não sou resultadista. Talvez seja, no entanto, o único facto. Os resultados, a classificação. Uma justiça que não precisa de jurados.

Não acredito que o 4x3x3 seja mais perfeito do que o 4x4x2 ou vice-versa, ou um contra-ataque mereça menos aplausos do que um golo com mais de 20 passes e 11 pais. Até posso jurar que já vimos nascer três Guardiolas diferentes e outros tantos Mourinhos, e que até dá pena que o português pareça ter parado de evoluir.

Desde que não seja desculpa para jogar mal – que será tudo o que fique abaixo das expectativas, seja estas quais forem –, acredito em todos os sistemas e em todos os estilos, e é precisamente pela diversidade que vos digo que isto continua a ter piada.

Por cá, a excelência ainda mora nos grandes, num ou noutro jogador aqui e ali, depois de tanta sangria milionária, e são estes, e mais um Sp. Braga a querer crescer, que sustentam a qualidade da Liga.

É neste terreno mais árido que crescem ideias novas. Em Vila do Conde, já florescem há mais tempo, em Chaves, em Portimão e no Restelo vêem a luz do sol os primeiros frutos.

Quem viu jogar Silas sabe que só podia ser assim, ou ainda melhor do que isto.

Face à qualidade que falta sabemos que nunca serão ideias poéticas, cheias de pontos de exclamação, declamadas por um Vítor Espadinha. Veremos frases curtas, vocabulário simples e imagens claras. Nítidas. Pontuadas com inteligência e sem fundamentalismos, acredito que possam aproximar os dois extremos da tabela. Certamente, enriquecerão o jogo.

Escrevo isto quando muda o líder da Liga, e irá começar-se novamente, talvez um pouco mais alto, a discutir justiça e injustiça. Entre o futebol objetivo e explosivo do FC Porto e a construção mais em apoio, a partir de trás, do Benfica, eu digo

A classificação que decida.

Uma ou outra. Qualquer uma das ideias está bem!

--

«ERA CAPAZ DE VIVER NA BOMBONERA» é um espaço de crónica, publicado na MFTOTAL. O autor usa grafia pré-acordo ortográfico.

--