Se alguém lhe disser de boca cheia que nunca foi um Tonel, nem que fosse por uma única vez na vida, está a mentir, e com todos os dentes que ainda tem, cariados ou não.

Nem o mais sortudo dos homens, capaz de fazer o seu caminho

Que se faz caminhando, como é sabido!

sempre em cima de trevos de quatro folhas, pode negar que já viveu um dia mau. Um diazinho, unzinho só. Ou um menos bom. Um daqueles em que passou por baixo de uma escada ou cruzou com um gato preto e fez depois, vá, meio autogolo ou meio penalty no último minuto de um clássico, de um derby, debaixo de todos os holofotes e mais alguns.

Estragou tudo. Tremeu-lhe a mão e derrubou o castelo de cartas, quebrou a meio o desfile das peças de dominó. Entornou a chávena do café a escaldar em cima das calças do fato que vestiu de propósito para a reunião com o big boss.

Quem nunca disse?

Hoje não devia ter saído de casa!

Ou

Parece que hoje tudo corre mal…

E juntou um chiça ou um raios depois, se for daqueles que não diz asneiras e tem raiva de quem diz? Quem não fez um entorse num buraco no alcatrão, quando ia a pensar na morte da bezerra, ou na loura avantajada que saía da estação de comboio, e se entregou ao ridículo? Quem não gaguejaria mais que Colin Firth em frente a um microfone com o país todo a ouvir, em véspera de guerra com os nazis?

Se você for realmente muito estúpido como é que se aperceberá de que é mesmo muito estúpido?

É John Cleese e o melhor resumo de sempre da lei de Dunning-Kruger-e-mais-não-sei-quantos. Ou projecto-lei. Ou teoria de quase-tudo. Ou qualquer coisa feia como esta

O Efeito Dunning-Kruger-Soullesz é o fenómeno pelo qual indivíduos que possuem pouco conhecimento sobre um assunto acreditam saber mais que outros mais bem preparados, levando a que tomem decisões erradas e cheguem a resultados indevidos. No entanto, esta própria incompetência é a mesmo que os restringe da habilidade de reconhecer os próprios erros, e assim sofrem de superioridade ilusória.

Somos tão estúpidos que foram precisos três investigadores para testarem a teoria e chegarem à mesma conclusão-Monty-Python.

Repito

Se você for realmente muito estúpido como é que se aperceberá de que é mesmo muito estúpido?

É que não é só um dia mau. É o dia mau. Tonel teve dois. Aqui entre nós, teve bem mais do que dois. Mas teve dois que para a maior parte de todos os que o olhavam de longe não podia ter. Antigas equipas, o torcer do nariz, o coçar da fronte, o abanar da cabeça. A teoria da conspiração, sobre a camisa desabotoada e o fio de prata a enrolar-se com os pêlos do peito. Uma espécie de

Será que o homem foi mesmo à lua?

mas às nossas proporções.

Está comprado! Está com-pra-do, escrevam o que vos digo!

Punho na mesa. Onde é que está o telemóvel? Estado actualizado na rede social. Like, like, like. Partilha, partilha, partilha. E o papagaio morto na gaiola.

Com-pra-do!

O melhor central do mundo não faria aquilo. O melhor português também não. Temo que Tonel vá fazer mais coisas destas mais vezes porque não é nada disso. Nunca o foi. Fez uma carreira digna, foi um bom profissional. E não sei se é por aquele penso fora de moda no nariz ou não, que dizem que não serve para nada, tem o azar de atrair todos os relâmpagos do mundo.

E somos estúpidos se não acreditamos nisso.

Quem nunca pecou que atire a primeira pedra. Que fale quem nunca se molhou a andar à chuva. O primeiro a conseguir fazer aquele penalty, este autogolo, o primeiro a fazer de propósito um entorse, a derrubar um castelo de cartas porque simplesmente lhe apetece que grite agora. Quem achar que sabe tudo sobre o assunto, que nada disto lhe aconteceria, que ponha o dedo no ar. 

Cleese chegou depressa à sua lei porque tinha o papagaio morto na gaiola.

'E's not pinin'! 'E's passed on! This parrot is no more! He has ceased to be! 'E's expired and gone to meet 'is maker! 'E's a stiff! Bereft of life, 'e rests in peace! If you hadn't nailed 'im to the perch 'e'd be pushing up the daisies! 'Is metabolic processes are now 'istory! 'E's off the twig! 'E's kicked the bucket, 'e's shuffled off 'is mortal coil, run down the curtain and joined the bleedin' choir invisible!! This is an ex-parrot!!

Se continuarmos a ser estúpidos como é que nos apercebemos de que estamos a sê-lo? Já nos deixávamos destas coisas, ou será que alguém precisa de um papagaio morto na gaiola?

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«ERA CAPAZ DE VIVER NA BOMBONERA»   é um espaço de opinião/crónica de Luís Mateus, sub-director do Maisfutebol, e é publicado de quinze em quinze dias na MFTOTAL. Pode seguir o autor no FACEBOOK e no      TWITTER. Luís Mateus usa a grafia pré-acordo ortográfico.

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