Não revi o Portugal-Coreia do Norte do Mundial 66 por uma razão simples: nunca o tinha visto. Cruzara-me apenas com excertos e esta foi portanto a primeira vez que pude assistir a um jogo histórico de fio a pavio.

Uma estreia curiosa, especial e que me trouxe à memória uma frase de Mourinho.

Disse um dia o treinador português que 5-4 não é resultado de futebol: se uma peladinha de treino atinge um 5-4, a reação dele é mandar toda a gente para o balneário porque aquele resultado só significa que estão a defender mal.

Em 66 Portugal e Coreia do Norte fizeram oito golos e ninguém naquela altura terá pensado que foi um péssimo exercício de futebol.

Pelo contário, foi um excelente exercício.

Desde então passaram cinquenta anos e o futebol mudou completamente. A evolução do jogo atingiu níveis inimagináveis.

À luz dessa evolução, o pensamento de José Mourinho faz sentido: o treinador português integra aquele grupo de homens do futebol que procura a perfeição, e a perfeição está sempre do lado oposto ao dos golos.

O resultado perfeito neste tempo que vivemos será para Mourinho, ou Ancelotti, ou Guardiola um escasso 1-0. Significa que a equipa venceu e não cometeu erros.

No fundo foi para esse lado que o futebol evoluiu. A perfeição tornou-se uma coisa chata como sempre é: está na ausência de erros.

Os jogadores tornaram-se mais fortes, mais rápidos e mais técnicos. Estou a esquecer propositadamente Cortez, é verdade.

Mas basicamente é isso: há mais velocidade, menos espaço e nenhum defesa está autorizado a perder um duelo individual.

O jogo atingiu por isso um nível que não perdoa um erro, por curto que seja.

Nunca tivemos tão bons jogadores - note-se que não falo de talentos, falo de jogadores no sentido atlético do termo, e continuo a ignorar propositadamente Cortez - e no entanto nunca os bons jogadores tiveram tão pouco espaço para expor o futebol que trazem dentro deles.

No fundo pagam eles e pagamos nós o preço da procura da perfeição.

Uma procura legítima, claro: a evolução quer-se sempre para melhor e a procura da perfeição no futebol é uma viagem inevitável.

O que nos atira para o essencial, e o essecial está nas palavras de Michel Platini (é uma vez sem exemplo, prometo).

“O futebol está cheio de erros, porque o jogo perfeito é um 0-0.”

Passaram menos de 50 anos desde aquele Portugal-Coreia do Norte que vimos outro dia, cheio de futebol, de intensidade, de espaço e de ocasiões de golo. Passaram 50 anos e o futebol não parou de evoluir.

A própria vida não parou de evoluir, é verdade, naquela altura José Sócrates ia às aulas ao sábado, agora tira cursos ao domingo.

O antigo primeiro ministro foi evoluindo ao fim de semana, portanto, o futebol evoluiu todos os dias. Na procura da perfeição, claro.

Dá para imaginar como estará daqui a mais 50 anos?

Se alguém conseguir, que me diga (ou então avisem-me só quando houver golos).

«Box-to-box» é um espaço de opinião de Sérgio Pereira, jornalista do Maisfutebol, que escreve aqui às sexta-feiras de quinze em quinze dias