Tem as cores de Portugal, tem o Canindé, tem história e uma montanha de problemas. Tem, ainda, uma hipótese mínima de não cair no esquecimento do futebol brasileiro.

Nos últimos anos, os adeptos viram a Portuguesa cair da Série A para a B, até que no último domingo chegou ao ponto de cair fora da série D!

Alguns torcedores juntaram-se e alimentaram uma iniciativa: uma parceria com uma reconhecida empresa de bebidas energéticas. Ou seja, estão dispostos a que o clube passe para mãos alheias, desde que isso lhes acabe com o sofrimento de ver a Portuguesa no estado em que está.

«Pode trazer outros problemas, mas é um risco que vale a pena correr», assumiu um dos responsáveis pela ideia à MF Total, depois de garantir que «mais do que uma proposta, este é um grito de desespero».

Habituados a tudo, menos ao caso Heverton

Uma substituição esteve na origem de tudo. Em 2013, a Lusa celebrou a permanência na Série A, mas utilizou Heverton no último encontro, conforme a MF Total já contou. O jogador estava suspenso para a derradeira jornada e, como consequência, a Lusa perdeu quatro pontos. A Portuguesa desceu, salvou-se o Fluminense.

A utilização de Heverton foi caso de polícia. O Ministério Público abriu uma investigação: queria apurar se houve alguma premeditação em colocar Heverton em campo ou se foi apenas uma falha de secretaria. Em 2014, o caso foi definitivamente arquivado. Por falta de provas.

«Como qualquer torcedor da Portuguesa, já estou acostumado a viver na dificuldade. Sempre foi uma equipa sofrida. Mas o caso Heverton foi inimaginável. Já tínhamos passado por tudo… menos isso.»

Gustavo Garcia tem 34 anos e é um dos promotores da ideia de juntar a Portuguesa à firma de bebidas energéticas.

Nas palavras dele, é um «grito de desespero». Um grito que nenhum adepto de nenhum clube do mundo quer dar.

«Estou anestesiado, nem sei quantas vezes já descemos»

Portanto, em 2013 a Portuguesa estava na Série A, em 2017 está fora da Série D. Ano após ano em queda, quer no Brasileirão, quer no estadual. Num ano, tinha receitas de 6,7 milhões de euros, noutro de 700 mil. Na Série C foi ainda pior e os problemas financeiros continuaram, com o mítico Canindé a ficar sem gente e...sem comprador: foi a leilão, por ordem da justiça para resolver dívidas a funcionários, e não houve nenhuma oferta.

Processos de futebolistas sem receber acumularam-se e já na Série D, o cenário relatado pela Globoesporte era este a duas jornadas do fim:

Como se não bastasse a situação difícil na tabela, a Portuguesa ainda vem enfrentando uma debandada de jogadores nas últimas semanas. A principal perda foi do meia Leandro Domingues, camisa 10 do time - também saíram Bruno Xavier, Tárik, Vinicius Gouveia, Thiago Feltri e Jonathan Lima.

«Já perdi a conta às descidas de divisão. Chegamos a ficar anestesiados! Nos últimos anos, temos andado a pensar na parte administrativa, porque é ali que está o problema. Como adepto é só tristeza», afirmou Gustavo Garcia.

A maioria dos torcedores da Lusa tem ascendência portuguesa. Este organizador de eventos não é diferente e nota-se mágoa na voz quando fala do progenitor.

«Tenho o laço com o meu pai, sempre que falo com ele é sobre a Portuguesa. E durante 20 anos quase só falamos de sofrimento. Perdemos de 3-0 para um time que nunca ouvi falar», lamentou.

Dos anos 90 à proposta para a Red Bull

O clube paulista foi vice-campeão brasileiro em 1996 e conta com três títulos estaduais no palmarés, num campeonato que tem Santos, São Paulo, Palmeiras e Corinthians.

Gustavo Garcia cresceu num dos melhores períodos da Lusa, os anos 90. «Mas depois veio a Lei Pelé», que revolucionou os passes dos jogadores.

«Os clubes tiveram de se modernizar e naquele momento a Portuguesa perdeu o rumo da História. Na mudança de século, a Portuguesa ficou para trás», analisou.

É por isto que alguns se uniram e lançaram a ideia: fazer uma parceria com uma grande empresa que investisse e modernizasse o clube. Como dizem num vídeo, «navegar foi preciso, agora é hora de voar».

Gustavo Garcia considerou que «seria preciso conjugar cem fatores» para que o projeto andasse, mas há um objetivo maior.

«O que nós queremos é dizer que a Portuguesa tem de se modernizar. Nem sabemos como a Red Bull entrou na brincadeira, mas a própria reação deles demonstra modernidade, conhecimento de marketing desportivo.»

A iniciativa correu pelo Brasil fora e chegou à marca, que já tem uma equipa no país e que aproveitou a onda. A reação foi colocar a mascote, o Toro Loko, a comer pastéis de bacalhau. Os replys à publicação foram todos no mesmo sentido: pedidos de ajuda de adeptos.

A Portuguesa chegou ao ponto de o presidente, Alexandre Barros, fazer algo quase inédito no mundo dos dirigentes: assumir de forma clara que falhou. E que o culpado é ele.

«Fui o responsável direto pela montagem e remontagem dos elencos nas competições. Pelas trocas das comissões técnicas. Pelas contratações e dispensas de atletas. E por todo o plano de trabalho que se tornou ineficaz por minha incompetência nesse momento. »

Ora, para os «adeptos mais jovens», a questão tem residido mesmo no modo de gestão. «A Portuguesa é mal administrada há décadas, com uma mentalidade retrógrada de quem tem poder», referiu Gustavo Garcia.

É por isso que os responsáveis desta iniciativa, de acordo com Gustavo Garcia, querem inovação, nem que isso signifique colocar na administração «gente que nem sequer torce pelo clube».

O desespero é tal que aceitam subverter uma tradição há anos defendida por adeptos de todo o planeta - que os clubes são deles, dos sócios. Outros emblemas foram comprados por iniciativa do investidor. Neste caso, são os simpatizantes que gritam em voz alta: Comprem-nos!

«Se vir gente de fora, numa perspetiva meramente comercial, também pode trazer problemas? Poder pode, mas é um risco que vale a pena correr. É um risco válido. A Portuguesa tem mil sócios pagantes, chegou a ter 100 mil!», sublinhou Gustavo Garcia, desgastado com a cada vez menor quantidade de gente que o clube consegue mover, «apesar da sua grande base social» em São Paulo.  

Um último suspiro em campo

No último domingo, a Portuguesa perdeu com a Desportiva e ficou fora da Série D. Tem um último suspiro para dar na Copa Paulista, que começa a jogar neste fim de semana. Se a vencer, tem o direito de voltar à quarta divisão do futebol brasileiro. Caso contrário…

«Já pensei no que pode acontecer, claro! Só penso nisso desde domingo! Não tenho muita perspetiva. Ficamos na segunda divisão estadual e sem futebol no segundo semestre…»

Ironia das ironias, a Portuguesa, a grande Lusa, vai começar a disputa da Copa Paulista frente à Portuguesa Santista...a Lusinha.

Estar perto do fim é isto. Quase nada existe abaixo do patamar em que está a Portuguesa. 

«Se ela não conseguir ganhar…o desespero é por isso mesmo. Estamos fora do cenário futebolístico. Repare, você tem sempre pessoas a zoar com o clube rival. Eu já não tenho quem o faça comigo. Os torcedores de outros têm dó. Têm pena. Querem até que a Portuguesa renasça…»E isso, no Brasil, se calhar dói mais do que qualquer zoeira