Enquanto os portugueses fixavam atenções nos problemas de André Villas-Boas, a goleada conseguida pelo Liverpool neste domingo, em White Hart Lane, tinha outra face, que não passou despercebida em Inglaterra: a de vitória mais retumbante na carreira de Brendan Rodgers, o técnico cujo destino começou a cruzar-se com o de AVB em 2004/05, nos corredores de Stamford Bridge, quando ambos integraram a estrutura de José Mourinho, na primeira passagem deste pelo Chelsea.

No quinto confronto direto entre os antigos discípulos do «special one», Rodgers nivelou o saldo com André Villas-Boas: duas vitórias para cada e um empate, contando com os jogos que orientaram no Swansea e no Chelsea, respetivamente. Mas é justo sublinhar que os triunfos conseguidos por Rodgers, ambos em 2013, fizeram mais mossa. O primeiro, em março (3-2 em Anfield) deu um contributo decisivo para impedir que o Tottenham chegasse à Liga dos Campeões. Este segundo, em dezembro, ameaça marcar um ponto sem regresso na relação de AVB com o clube londrino, três semanas depois da goleada sofrida em Manchester, diante do City.

Stamford Bridge, o berço comum

Com 40 anos, o norte-irlandês Rodgers tem 26 de janeiro como data de nascimento, que é também o dia de aniversário de Mourinho. Futebolista modesto, tal como Mourinho e Villas-Boas, decidiu-se muito cedo pela reconversão. Queria ser treinador, e a ambição de ser melhor do que os outros fê-lo investir em Espanha, onde fez estágios, estudou o idioma e alargou horizontes.

Tinha apenas 31 quando respondeu ao anúncio de uma vaga no staff do Chelsea. Acabou por ser entrevistado pelo próprio Mourinho, que queria técnicos capazes de transmitir as suas ideias às equipas de formação. O dia de aniversário em comum terá sido apenas um dos pormenores que aceleraram a identificação entre os dois homens. Rodgers ficou, primeiro no departamento de formação, depois como treinador da equipa de reservas.

«Foram três anos e meio com José, e foi como tirar um curso em Harvard», contou mais tarde, numa entrevista ao Independent em que revelou, também o impacto da partida de Mourinho em 2007: «No dia em que foi embora foi como se tivesse morrido alguém», contou. Também por isso, pouco depois decidiu-se a iniciar a carreira de treinador principal. Começou em 2008, demorou três anos a chegar à Premier League, levando o Swansea à subida de divisão, com um futebol de identidade sólida. «Continental», como os ingleses têm a mania de definir tudo o que não seja «kick and rush».

Rodgers nunca esqueceu os primeiros tempos, e também não esqueceu André Villas-Boas, que nessa altura, com apenas 27 anos, era responsável pelo departamento de observação no Chelsea. Em 2011, quando AVB voltou a Stamford Bridge como técnico principal, Rodgers recordou ao Maisfutebol, em conversa com o jornalista Vítor Hugo Alvarenga, as memórias do contacto com o jovem treinador português: «Não me lembro de o ouvir falar em seguir uma carreira de treinador. Estava concentrado no seu trabalho, e mais nada. Mas percebia-se que uma pessoa tão jovem e tão conhecedora poderia, pelo menos, tentar a sua sorte», recordava.

A juventude foi sempre um lastro negativo que Villas-Boas teve de superar com resultados, primeiro como colaborador, depois como técnico principal. Ainda Rodgers, ao Maisfutebol: «Não é normal ver alguém tão jovem numa equipa técnica de topo, mas ele não dava tempo a que se duvidasse: era um trabalhador nato, estudioso, inteligente e competetente», resumia.

Por essa altura, Mourinho treinava o Real Madrid. Ao contrário do arrefecimento na relação com Villas-Boas, assim que este se tornou treinador do FC Porto, nunca deixou de manter uma ligação afetuosa com o discípulo da Irlanda do Norte. O próprio Rodgers contou ao Daily Mail que no dia do sorteio da Premier League, em 2011, recebeu um SMS que o fez sorrir: «Manchester City fora na estreia. Três pontos garantidos para ti, top man. Ass: Jose»

Rodgers e AVB: percursos diferentes, objetivos comuns

Enquanto Villas-Boas vivia tempos difíceis no Chelsea, Rodgers assinava em 2011/12 uma boa época de estreia, beneficiando dos princípio de jogo bem consolidados e de um nível de expectativas incomparavelmente mais baixo. O 11º lugar foi uma pequena proeza para um recém-promovido de orçamento limitado. A vitória sobre o Liverpool, no último jogo da temporada, terá sido decisiva para que a direcção dos «reds» o considerasse o homem certo para substituir Kenny Dalglish e injetar energia num histórico adormecido, em crise acentuada pelo facto de estar ausente da Liga dos Campeões desde 2009.

O paralelismo com Villas-Boas renasceu aí: tal como o português, o objetivo de deixar a equipa num posto de acesso à Champions não foi conseguido à primeira. Terminando em sétimo, os «reds» subiam apenas um lugar em relação à época anterior, conquistando mais nove pontos (61 contra 52). O Tottenham, por comparação, perdia um lugar, acabando em quinto, mas, fazendo mais pontos do que na era de Redknapp.

Num caso e noutro, Rodgers e Villas-Boas não tinham acabado com as dúvidas, mas obtinham créditos suficientes para mais uma época. Sem direito ao erro, desta vez. E enquanto Villas-Boas vê o seu estatuto cada vez mais questionado, face às duas goleadas já sofridas e à incapacidade em apresentar resultados diante de adversários diretos, Rodgers está a embalar os «reds» para a sua melhor campanha dos últimos largos anos. 

Com reforços modestos e cirúrgicos (o guarda-redes Mignolet e o defesa Sakho foram as contratações mais caras, com o clube a gastar menos de 50 milhões e a encaixar 32) e com um Luis Suarez em estado de graça - o uruguaio tem mais golos em seu nome do que 10 equipas da Liga - este Liverpool impõe um respeito que há muito não era visto para os lados de Anfield. As convincentes exibições de Henderson e Coutinho, na excelente sequência de resultados que mantém a equipa no segundo lugar, agora a apenas dois pontos do Arsenal, podem também ser vistas como sintomas de crescimento da equipa. Que, um pouco a exemplo do que acontece com o Sporting, em Portugal, beneficia do facto de ter mais tempo para consolidar processos pelo facto de não participar nas competições europeias.

Rodgers, obviamente, gostou do que viu em Londres. Mas não quer acelerar a ambição, até porque o terrível mês de dezembro na Premier League costuma alterar os equilíbrios de forças. No dia 23 há um Arsenal-Chelsea, e seis dias depois Rodgers visita Stamford Bridge, para o primeiro frente a frente com Mourinho. Razões suficientes para manter o entusiasmo com rédea curta, portanto.

«Esta foi a nossa exibição mais completa, brilhante a todos os níveis. Marcámos cinco e provavelmente poderíamos ter marcado sete ou oito. Obviamente que todos temos sonhos, e eu não cheguei a Anfield para ser segundo, terceiro ou quarto. Mas também é preciso sermos realistas. Se conseguirmos evitar mais lesões e continuarmos a melhorar os processos de jogo, logo vemos onde isso pode levar-nos», afirmou Rodgers, depois dos 5-0. Para já, de entre os treinadores formados em Stamford Bridge na primeira era de Mourinho, há um que tem razões para sorrir. E não é Villas-Boas.