CAMINHOS DE PORTUGAL é uma rubrica do Maisfutebol que visita passado e presente de clubes dos escalões não profissionais. Tantas vezes na sombra, este futebol em estado puro merecerá cada vez mais a nossa atenção.

CENTRO DESPORTIVO E CULTURAL DE MONTALEGRE: AF VILA REAL

«Em Montelegre! Em Montalegre!

Há bruxedo! Há bruxedo!

 Há batata! Há centeio!

Há chegas de Bois! Há chegas de Bois!

Há vitela! Há cabrito! Há fumeiro!

Há castelo! Há Larouco!

Há presunto, presunto, presunto!

 Há chouriça, chouriça, chouriça!

Há vinhaça, vinhaça, vinhaça!

Uuuhhhhh!»

Em Montalegre há tudo isto, mas é também lá que mora a única equipa dos campeonatos não profissionais que está presente nos oitavos de final da Taça de Portugal: o Centro Desportivo e Cultural de Montalegre.

O Maisfutebol foi até ao interior do país tentar perceber por onde passam os alicerces deste sucesso barrosão que está a fazer história na menina mais bonita do futebol português, a Prova Rainha. Pelo meio, falámos ainda com um dos padres mais mediáticos da região para tentar descobrir se esta campanha mete bruxedo.

Uma questão familiar

A Taça de Portugal nem começou da melhor maneira para o Montalegre, já que caiu logo na ronda inaugural aos pés do Pedras Salgadas, mas teve a sorte de ser um dos emblemas repescados. Desde então tem queimado etapas entre os pingos da chuva e a verdade é que já está nos melhores 16 da competição, a par dos maiores emblemas do nosso país, depois de ter eliminado o Águeda no último domingo.

Mas este sucesso não surge do acaso, e tem até uma questão familiar pelo meio. Paulo Viage e José Manuel Viage são irmãos e partilham o leme do clube: o primeiro é o presidente, o segundo o treinador.

E se fora das quatro linhas estão unidos pelos laços de sangue, no futebol não há misturas... tirando uma ou outra situação em que podem chocar.

«É muito fácil. Sou presidente do clube há nove anos, quando cheguei o meu irmão já era treinador. Quando se trata de trabalho o meu irmão é o mister, eu sou o presidente. Fora do estádio pouco ou nada falamos de futebol, quando temos de falar, falamos em local próprio e não existe o “irmão Paulo e o irmão Zé”, não há como correr mal», diz Paulo, o presidente.

Para José Manuel, porém, «é fácil e difícil», e o técnico explica porquê: «É fácil porque fora do futebol praticamente nunca falamos de futebol, na nossa vida de irmãos nunca falamos de futebol. Dentro do futebol ele é muito exigente, tal como eu, e por isso às vezes chocamos. Possivelmente ele com outro treinador não fazia certas coisas e eu se calhar também teria outro comportamento.»

«Mas eu sei o meu lugar, ele sabe o dele, ele não se mete no meu trabalho e eu não me meto no trabalho dele», atira.

«Se pudéssemos escolhíamos um dos três grandes»

Paulo Viage é presidente do Montalegre há nove anos e quando chegou o clube estava nos campeonatos distritais. Agora, com os barrosões no Campeonato de Portugal e a fazer um brilharete na Taça de Portugal, quer continuar a fazer história.

O dirigente admite que o Montalegre, único representante do Campeonato de Portugal na Taça, é o alvo apetecível para o sorteio dos oitavos de final, «já que todos querem calhar com o Montalegre», mas não se esconde e assume que quer receber um grande.

«Se pudéssemos escolhíamos um dos três grandes, é o sonho dos clubes pequenos. Vamos ver o que o sorteio dita, também queremos continuar a fazer história e sabemos de antemão que se nos calhar um dos três grandes as hipóteses serão mais reduzidas», afirma.

«Se acreditamos que podemos eliminar um grande? Claro, vamos acreditar até ao fim. Já fizemos história, mas queremos continuar a fazer e acreditamos que podemos eliminar uma dessas equipas grandes. Tudo pode acontecer e vamos agarrar-nos às poucas hipóteses que temos e continuar a acreditar que podemos passar esta eliminatória e continuar a fazer história.»

E condições para receber um grande no Estádio Dr. Diogo Vaz Pereira, há? «Acho que temos condições e vamos fazer tudo para que o jogo se realize no nosso estádio. Agora, não me cabe a mim analisar isso. Mas não nos passa pela cabeça irmos jogar noutro sítio que não aqui», assegura.

Paulo Viage, o presidente do Montalegre

Pela primeira vez nesta fase da Prova Rainha, o Montalegre representa um concelho bem enraizado no interior de Portugal e que merece esta festa: «Nós e o Desp. Chaves somos os únicos representantes da região de Trás-os-Montes e é lógico que vamos fazer tudo para representar bem o nosso concelho, acho que também merecemos, estamos no interior, longe de praticamente tudo e queremos continuar a honrar e a dignificar as gentes do Barroso e de Montalegre.»

«Não podemos ficar envaidecidos por aquilo que fizemos»

José Manuel Viage foi o técnico responsável por subir o Montalegre ao Campeonato de Portugal e agora tenta catapultar o emblema da região de Barroso para outro nível. O momento é bom, mas o treinador reconhece que é preciso manter os pés bem assentes na terra.

«Acho que devemos aproveitar isto da melhor forma, sabíamos que a partir deste momento, enquanto representante único do Campeonato de Portugal, íamos ser a equipa mais falada, somos a equipa mais humilde. Não podemos ficar envaidecidos por aquilo que fizemos, temos de aproveitar o momento, mas ter lucidez», defendeu.

Já nos 16 melhores da Taça de Portugal, José Manuel garante que ainda não pensa no Jamor, até porque a equipa tem de ser «realista e dar um passo de cada vez». «Quando temos três equipas da Liga, estar a dizer que estou a pensar no Jamor não era coerente da minha parte.»

«A nossa história na Taça é linda, é um percurso bonito, mas vamos pensar só na próxima eliminatória, neste momento não estamos a pensar no Jamor», diz.

José Manuel Viage, o treinador do Montalegre

Tal como o seu irmão, o treinador do Montalegre assume a preferência por um dos três grandes na próxima eliminatória, até porque «a verdadeira história faz-se a eliminar um tomba gigantes», mas divide a parte racional da emocional: «Racionalmente aquilo que eu pretendo é que o jogo se jogue em Montalegre. Se for pelo lado emocional, gostava de apanhar um grande, tem muito mais impacto.»

«Sabemos que FC Porto, Benfica e Sporting é extremamente difícil, é possível, mas muito difícil. Se não for uma dessas equipas poderá ser um bocadinho mais fácil e é a isso que nos vamos agarrar, vou aceitar qualquer sorteio e, com as nossas chances, tentar passar», antecipou.

«Geralmente a reza para o desporto é fia-te na virgem e não corras e verás o tombo que levas»

A escassos quilómetros de Montalegre, em Vilar de Perdizes, mora um dos padres mais emblemáticos da região e do nosso país: o Padre Fontes.

Conhecido essencialmente pela ligação ao oculto e aos rituais de bruxedo, fomos saber se António Lourenço Fontes teria, porventura, alguma coisa a ver com os triunfos do clube da terra. Foi difícil, mas conseguimos.

O primeiro contacto telefónico não é fácil. Ao longe, fica difícil compreender as palavras do Padre Fontes, que nos pede para ligarmos mais tarde. Já com mais disponibilidade para o diálogo, o homem de 78 anos depressa desvenda o mistério, não sem antes deixar algumas críticas à importância que o futebol assume nos dias de hoje.

«Não é que não goste, mas é um exagero a dependência da sociedade do futebol. Esquecem-se os casos de violência, maus tratos, crimes de roubo… mas sigo a nível distrital e até a nível médio, quando posso vou aqui a Vilar de Perdizes ver a equipa local», começa por contar.

«Se tenho feito alguma reza ou ritual para o Montalegre ganhar? Não, não… se fizesse era para acabarem as guerras no futebol», adianta.

E no futuro, pensa em colaborar? «Rezas já não é para o desporto. Geralmente a reza para o desporto é fia-te na virgem e não corras e verás o tombo que levas.»

«Agora se for para benzer o campo, as bolas, as chuteiras, os jogadores, isso já é possível e faço com todo o gosto. Se me pedirem a minha colaboração, estou ao dispor do Montalegre e de outros grupos locais, para ajudar e para apoiar», revela.

Com ou sem ajudas ocultas, o Montalegre tem feito história na Taça de Portugal e promete não acabar por aqui. O percurso já é bonito, mas os próximos capítulos dirão se se torna épico ou não.