Não é fácil encontrar uma linha que ligue o Benfica ao Astana, o primeiro adversário das águias na campanha desta época na Liga dos Campeões. O emblema do Cazaquistão estreia-se na prova milionária e, mais do que isso, tem uma história curtíssima. No seu primeiro ano de vida, para se ter uma ideia, o Benfica era treinado por…Quique Flores.

Precisamente, o Astana foi fundado em 2009. Quando realizou o seu primeiro jogo oficial, em março desse ano, o Benfica já tinha festejado o seu 105º aniversário.

Mas a linha que une os dois clubes existe. Ténue, mas descoberta pelo Maisfutebol. Falamos de Sergei Yuran, avançado que representou o Benfica entre 1991 e 1994, e treinou o Astana em 2009. Foi o terceiro treinador da equipa nesse ano e deixou-a no segundo lugar. O clube ainda era conhecido por Lokomotiv Astana, pois o principal patrocinador era a companhia estatal de caminhos-de-ferro.

Ora o Maisfutebol descobriu Yuran na Rússia. Está por casa, desempregado, depois de ter treinado o Baltika Kaliningrad, na época passada. Aguarda que o telefone toque. Tocou, mas não com uma oferta de trabalho.

O que não faz o russo perder a simpatia. Num português quase impecável traça-nos o perfil do embate da Luz…e da segunda volta.

«O Benfica é favorito, claro (risos). Ainda por cima em casa…Não vai ter qualquer problema. Quando for lá já é diferente. É muito longe. A viagem cansa sempre e pode fazer alguma mossa. Mas o Astana não é muito forte», assegura.

Yuran salienta que o Astana de hoje já é muito diferente da equipa que treinou, há seis anos. O que não quer dizer que algumas coisas não se mantenham intactas.

E dá exemplos: «É uma equipa que não tem estrelas e onde os jogadores trabalham muito. É uma equipa dura, trabalhadora, do primeiro ao último minuto. O Benfica vai ter de estar concentrado e de trabalhar muito também.»

A sobranceria e o excesso de confiança poder ser o inimigo maior do Benfica na abertura da Liga dos Campeões. «Não podem pensar que dá para jogar só com uma perna», alerta.

«Se pensam que a outra equipa não está ao nível deles, vai ser mau para o Benfica. Se trabalharem, não terão problemas. Vai ser três ou quatro zero», vaticina.

«Não tenho preferência. Sei que o Benfica ganha»

O jogo da Luz terá sentido único. Essa é a convicção de Yuran, que vê o Astana com «onze jogadores atrás da linha da bola».

«Vão tentar defender, principalmente. E depois um contra-ataque para aproveitar um momento de pouca concentração do Benfica. Acho que é o normal», considera. E explica porquê: «Para o Astana já é histórico chegar à fase de grupos. Já ganharam o prémio.»

E esse dado até pode jogar a favor da equipa. «Não têm pressão, toda a gente acha que vão perder os jogos todos. O Benfica precisa de ganhar, toda a gente vai falar de ganhar, está mais pressionado»
, avisa Yuran.

Questionado sobre uma eventual preferência entre os dois clubes, o, agora, treinador brinca: «Não tenho preferência. Sei que o Benfica ganha aí e lá (risos). Falta saber a diferença mas aposto em três ou quatro zero…»

Olhando mais para a frente, Yuran antevê, já, a viagem do Benfica à capital do Cazaquistão. Será dia de celebração para os locais, garante.

«O país é um espetáculo. A viagem é longa, mas o Benfica vai ser recebido em festa. Vão querer ganhar claro, mas acima de tudo os sócios vão fazer uma grande festa e vão encher o estádio. É a primeira vez que o Benfica vai lá jogar. Se calhar vão passar 50 anos até irem lá outra vez…», comenta. E ninguém pode dizer que seja um vaticínio demasiado arriscado.

«Jesus? Foi como eu e Kulkov, uma bomba!»

Era impossível falar com Sergei Yuran e não recordar a mudança que marcou o verão de 1994, quando trocou o campeão Benfica pelo FC Porto, onde também iria festejar o título. Yuran e Kulkov rumaram ao norte e o país ficou abalado com a notícia.

Para o russo foi parecido com o que Jorge Jesus fez esta época. «É um bocado como isso é», atira entre risos . «Foi uma bomba», diz. Com mais risos pelo meio. Passados tantos anos, o tema parece divertir Yuran.



Sobre Jesus, e já mais a sério, garante que uma coisa não houve: surpresa. «Sinceramente não fiquei surpreendido», diz.

«Ele esteve lá muitos anos, ganhou campeonatos, esteve na final da Liga Europa. Acho que sentiu que o trabalho dele estava feito. E agora no Sporting vai fazer um bom trabalho de certeza. Vi o jogo com o CSKA e não tiveram sorte. Aqui em Moscovo fizeram uma primeira parte espetacular, não deram nenhuma chance. No final, aqueles dois golos…Foi pena. Mas a equipa é boa, eu gostei», elogia.

Sobre a mudança, Yuran diz que «sair do Benfica e ir para o Sporting nunca é fácil», como não foi no seu caso, quando rumou a norte. «Em Espanha ou Itália isso é normal, mas Portugal é diferente. Mais pelos sócios, claro, a quem custa muito. Mas olhe, é a vida, têm de aceitar. São jogadores, são treinadores, têm de continuar a carreira»
, sublinha.

Para quem muda, garante Yuran «não é difícil» encarar a nova realidade. Acima de tudo está o profissionalismo.

«Vai chegar uma pessoa e culpar-nos, outros vão culpar outros. Mas depois passa. Temos de pensar com a cabeça e não com o coração. Se queres trabalho, tens de trabalhar. Se antigamente já não era fácil, hoje é impossível estar sempre só no Benfica ou só no FC Porto. Quem quiser fazer uma coisa a vida toda mais vale ir pastar…», remata.

Ainda a propósito do FC Porto, o seu outro clube em Portugal, Yuran, que continua espectador atento do futebol português e garante ter «Portugal no coração», diz que «não está tão forte como há três ou quatro anos».

«Nessa altura era muito forte, não dava hipóteses a ninguém. O Benfica aproximou-se. Então com o tempo em que estive aí é que não tem mesmo nada a ver. O Benfica está muito mais perto do FC Porto agora, claro», completa.