A noite de 9 de abril de 2014 poderá vir a ficar na história do futebol europeu como aquela em que o Bayern de Munique recebeu definitivamente o testemunho do Barcelona, tornando-se fiel depositário de um fenómeno a que, à falta de melhor nome, nos últimos anos se foi chamando tiki-taka. Um ano depois de ter perdido para os bávaros o estatuto de navio-farol do futebol moderno, o Barcelona ficou fora das meias-finais pela primeira vez desde 2007.

Mais marcante do que a eliminação perante um Atlético Madrid que ainda não conseguiu bater - e vão cinco tentativas na época em curso - foi a sensação de desnorte deixada nos minutos finais. Recorrendo a cruzamentos sem destino, para avançados que não nasceram para duelos nas alturas, o Barça pareceu nessa altura renunciar à coerência de ideias, que foi a sua maior força, no ciclo de maior sucesso em toda a sua história.

Um minuto que humanizou o Barça

E ainda que a conquista da Liga – que passa forçosamente por um sexto embate com os «colchoneros», no último dia – possa pôr um fim feliz à temporada «culé», é provável que os últimos minutos no Calderón tenham representado um dobre a finados sobre a passagem de Tata Martino no Camp Nou: a contestação nunca deixou de estar presente, mesmo quando os resultados ajudavam. Agora que a coerência ideológica pareceu mais do que nunca posta em causa, com várias situações de laterais a cruzar para a molhada, é muito duvidoso que a conquista do título espanhol seja suficiente para manter o argentino no cargo.


Simeone, estilo e substância

Claro que do outro lado esteve um super-Atlético, o anti tiki-taka por excelência, que nunca hesitou acerca das suas qualidades e do plano de jogo. O início foi avassalador, com duas bolas na trave a juntar à que resultou no golo madrugador de Koke. As transições velozes, tirando partido das ausências sentidas de Valdés e Piqué na estrutura defensiva do Barcelona, podiam ter deixado a eliminatória resolvida mais cedo. Assim, a equipa continuou fiel à sua natureza, desperdiçando contra-ataques, defendendo em bloco e sofrendo até ao fim, à mercê de um golpe de talento de Neymar, Messi ou Iniesta.



Como o Chelsea em 2012, ou o Dortmund em 2013, o At. Madrid é o convidado-surpresa para o quarteto de luxo na Europa do futebol, voltando às meias-finais 40 anos depois da última presença. No ano em que perdeu uma das suas maiores referências histórias, Luis Aragonés, esta equipa «colchonera» já garantiu um lugar na história do clube, mesmo que a melhor temporada dos últimos 18 anos ainda possa acabar sem troféus. 

Tiago, enorme (o jeito que daria à seleção!), Villa, a mostrar à antiga equipa que ainda é um dos melhores avançados da Liga, e um seguríssimo Courtois foram as referências de uma equipa que, à força de convicção e garra foi capaz de ultrapassar as ausências dos seus dois jogadores mais decisivos, Arda Turan e Diego Costa.


E enquanto Madrid batia palmas à consagração de um modelo de jogo em tudo oposto ao tiki-taka, em Munique, o Bayern versão Guardiola manteve a chama viva, dando ao técnico catalão, com total naturalidade, a sua quinta meia-final em outras tantas participações na Champions.



No Arena, o desequilíbrio de forças perante o Manchester United mais frágil dos últimos 20 anos foi disfarçado mais tempo do que seria expectável, deixando no ar a interrogação: com Van Persie, os «red devils» teriam argumentos reais para encontrar outro final? Com a receita de Old Trafford repetida (acerto defensivo e saídas rápidas a conta-gotas) o Bayern nunca se sentiu confortável até estar a perder, e consentiu ao adversário as melhores oportunidades.  Mas, a partir do golo de Evra, aos 57 minutos, a equipa alemã deixou de ter dúvidas e, aproveitando a moralização trazida pelo empate-relâmpago de Mandzukic, logo a seguir, traduziu em três golos uma óbvia superioridade. 


Mesmo depois da evidente desaceleração após a conquista da Bundesliga, não restam dúvidas de que o Bayern é a equipa com mais recursos da atualidade – e a forma clara como se impôs na meia hora final, mesmo sem Schweinsteiger e Thiago Alcântara confirmou-o. A partir desta noite, é também a última representante na Champions da escola do futebol que assenta a supremacia na posse e circulação de bola. Por caminhos diferentes, e com armas bem distintas, Atlético, Real e Chelsea estão no campo oposto do debate ideológico. Sejam quais forem os pares definidos pelo sorteio das meias-finais, o futuro do tiki-taka volta a estar nos ombros do homem que o projetou.