DESTINO: 80's é uma nova rubrica do Maisfutebol: recupera personagens e memórias dessa década marcante do futebol. Viagens carregadas de nostalgia e saudosismo, sempre com bom humor e imagens inesquecíveis. DESTINO: 80's.

PINGO:
SP. ESPINHO, 1987-89, 92/93; FC PORTO, 1989/90; SP. BRAGA, 1990/91 e D. AVES, 1991/92


Se a vida de Pingo chegasse aos livros, só a mestria poética de Nélson Rodrigues lhe faria jus. Médio genial e homem apaixonado, tímido em público e brincalhão no recato, 54 anos de altos e outros baixos numa ligação eterna, e etérea, ao futebol.

Quem é Pingo, pois?

Paulo Rogério da Silva, carioca de criação e convicção, chega a Portugal em 1986. Estrela maior do Bangu e do Campo Grande, aterra de fato negro, mala de cartão e dúvida nos olhos escondidos atrás de óculos escuros.

«Não sabia para que clube ia. Só sabia que era no Norte de Portugal», confirma, em entrevista ao Maisfutebol, 28 anos após a primeira visita a Espinho.

Sim, Pingo torna-se um verdadeiro deus nos tigres da Costa Verde e em três temporadas convence Artur Jorge a levá-lo para o FC Porto. «Inocente e de coração puro», deixa-se levar pelos prazeres do futebol profissional e, sem saber, assina a própria dispensa das Antas.

PINGO: golaço ao Benfica, bilhete para as Antas; Pingolé, por ordem de Quinito

«Depois de uma conversa com o senhor Reinaldo Teles, pensei que tinha ficado livre para negociar a minha saída. Não tinha, entendi depois. Falei, entretanto, com a direção do Sp. Braga e no dia seguinte um jornal escreveu que eu tinha assinado».

«Era mentira, mas a partir daí não voltei a ter hipóteses no FC Porto», lamenta, como lamenta o dia em que decide abandonar Portugal. Por amor.

«Estava casado há cinco anos e tive problemas com a minha esposa. Na altura tinha voltado ao Sp. Espinho. Fui atrás dela para o Brasil e nunca mais voltei a Portugal. Nem a reconquistei, nem dei seguimento aos meus projetos profissionais. Perdi o que mais amava: mulher e futebol»
.

Pingo num FC Porto-Sp. Braga (1m18s)



Pingo, é obrigatório sublinhar, revela-se um pequeno prodígio. Habilidade acintosa, relação de profunda confiança com a bola e expert em lances de laboratório. Tudo envolvido por uma inteligência incomum nos relvados de futebol.

O garoto do Rio de Janeiro volta à Cidade Maravilhosa em 1993. Duas décadas volvidas, e horas antes do Brasil-México, é um homem conformado mas, paradoxalmente, feliz.

«Vivi muito tempo na solidão e isso fez-me mal à cabeça. Agora tenho saúde, família e mantenho alguns imóveis que adquiri nos tempos de futebolista. Se estou realizado? Não, mas não desisto. Nunca desistirei de voltar a trabalhar no futebol», responde Pingo.


O antigo camisa dez do Sp. Espinho e FC Porto tem o curso de treinador desde 2009. E pede uma ajuda, uma oportunidade, para ensinar o que sabe. «Só tenho arranjado trabalho nas camadas jovens. Estive no Olaria e colaboro com um projeto da prefeitura, de futebol para a comunidade», explica.

É pouco. Pingo sonha com o retorno a Portugal. E lança o requerimento, quase em tom de súplica, aos «muitos amigos do passado» no futebol português. «Fui 18 anos profissional, sete deles em Portugal. O tempo passa e eu não esqueço os dias felizes que vivi por aí. Tenho muito para dar».

O dinheiro, reconhece, «não é o mesmo de antigamente». Pingo precisa de trabalhar e ter um salário «digno e honrado». «Só teria vergonha se roubasse. Isso nunca fiz. Sou um cinquentão cheio de vida e com muito pela frente. Se o futebol falhar, há outras coisas para fazer».

Pingo num Marítimo-FC Porto (55s)



Três temporadas «num Sp. Espinho fortíssimo», uma no FC Porto, mais uma no Sp. Braga e outra no Desp. Aves, antes de voltar ao Comendador Manuel Violas.

«Quando agarro o álbum de fotos as lágrimas vêm-me aos olhos. Fui campeão nacional de Portugal em 1990, orgulho-me do que fiz e conquistei», recorda Pingo, Paulo Rogério da Silva.

Os nomes dos ex-colegas saem-lhe depressa. As perguntas são desnecessárias. «O menino Vitor Baía estava a começar, o magrinho era o Domingos, jogava muito. E o André? Que amigo! O Branco, o Geraldão, o Bandeirinha, o Rui Águas…»


«No Espinho era o mesmo. O Silvino, o Eliseu, os falecidos N’Kongolo, Rui Filipe e Ivan [morreu num acidente de carro em Recife]. Era uma família e o senhor Violas nunca falhou um pagamento», vinca Pingo, quase numa declamação.

«Sempre vivi em Espinho, na Rua 19. O estádio era pequeno, velhinho e enchia sempre. Ainda é o mesmo? Adorava voltar e rever a malta que ia comigo até à praia, depois dos treinos».

Pingo, o maestro dos tigres, tem saudades e pede ajuda.

Nélson Rodrigues considerá-lo-ia certamente «'um anjo negro'», em busca da reconciliação, pois até «'a perfeita solidão terá pelo menos a presença numerosa de um amigo real'».

Números de Pingo em Portugal:

. 1986/87: Sp. Espinho, 29 jogos/10 golos (II Liga)
. 1987/88: Sp. Espinho, 33 jogos/10 golos
. 1988/89: Sp. Espinho, 32 jogos/8 golos
. 1989/90: FC Porto, 4 jogos/0 golos
. 1990/91: Sp. Braga, 27 jogos/6 golos
. 1991/92: Desp. Aves, 31 jogos/3 golos (II Liga)
. 1992/93: Sp. Espinho, 15 jogos/1 golo