Lucas João chegou há pouco mais de um mês a Inglaterra e já está a trabalhar para ganhar músculo: a ideia é torna-lo um jogador de área fisicamente forte, capaz de dar luta aos centrais, sem perder a técnica e a velocidade.
 
Nesta entrevista ao Maisfutebol, o jovem de 22 anos recorda também a primeira convocatória para a seleção e ri-se  com a forma como ficou pasmado a olhar para os ídolos. «Tentei disfarçar, mas nem sempre consegui fazê-lo.»

Mais a adaptação a Inglaterra, a grandeza do Sheffield, a atmosfera do futebol inglês e a subida passo a passo de um caso cada vez mais raro no futebol português: um ponta de lança capaz de marcar golos.


A primeira pergunta tem de ser: como está a ser a estreia no futebol inglês?
Está a ser ótima. Sempre quis jogar em Inglaterra e, portanto, encarei da melhor maneira a oportunidade de vir para o Sheffield Wednesday. Achei que era uma oportunidade única e como tal não podia deixá-la passar. Sobretudo ia ter treinadores portugueses no clube, que me podiam ajudar na integração... Nem pensei duas vezes.
 
Já fala inglês?
O meu inglês é... moderado, digamos assim. Não é mau, mas também é nada por aí além.
 
Vai dando para se safar aí?
Dá, dá. Se falarem devagar e gesticularem um pouco, as coisas vão sendo entendidas.
 
E já tem casa ou mora num hotel?
Já tenho casa, sim. Tenho um apartamento num centro, num prédio onde curiosamente vivem mais jogadores e os treinadores portugueses. É um edifício bem situado, mesmo no centro da cidade, com uma vista belíssima... Não me posso queixar.
 
Já conduz com o volante à direita?
Não, isso não. Ainda nem experimentei e calculo que não vou experimentar tão cedo, porque vou mandar vir o meu carro e o meu carro tem o volante à esquerda, claro.
 
Isso não torna as coisas mais difíceis?
Presumo que não. Aliás, a minha esperança é que não seja. Habituado a conduzir com o volante à esquerda, já estou, depois é só mudar de lado. Acho que me vou adaptar bem.


 
É verdade que está a fazer um trabalho especial para ganhar músculo?
Sim, é verdade. A Championship é uma liga muito dura, muito competitiva, muito intensa. Tenho 1,92 metros e 84 quilos... para jogar em Portugal penso que este físico chegava, mas em Inglaterra não. Aqui o físico dos adversários, e até dos colegas de equipa nos treinos, é incrível. Por isso tenho de ganhar massa muscular.
 
É esse o desafio mais imediato?
Sim, é. É um trabalho que estou a fazer com a preocupação de não prejudicar as minhas características mais fortes, que são a velocidade e a técnica.
 
Isso é curioso, porque olha-se para outros portugueses como Nani e Ronaldo e o salto físico que deram em Inglaterra foi enorme...

Sim, são duas boas referências. Ora aí está: eram franzinos, um pouco como eu, chegaram a Inglaterra, trabalharam bem fisicamente, sem esquecer a parte técnica, e tornaram-se muito melhores em todos os aspetos. São sem dúvidas duas boas referências para mim.
 
Em que é que consiste esse trabalho especial que está a fazer?
É acima de tudo trabalho de ginásio e o que aqui eles chamam trabalho de core: de coordenação. Basicamente é um trabalho que faço com o preparador-físico todos os dias depois dos treinos, entre 30 e 45 minutos por dia.
 
Tem algum objetivo em números para esse trabalho?
Não, porque o objetivo não é ganhar volume ou peso, até porque isso podia prejudicar a minha principal característica: a velocidade. O objetivo é apenas ganhar massa muscular, continuando a ser rápido apesar de muito alto.
 
A intenção é, portanto, manter a velocidade e a técnica, mas adaptadas a um jogador de área, que tenha de lutar entre os centrais...
Sim, é exatamente isso.
 
Até aqui era um ponta de lança que podia jogar nas alas: podemos esperar a partir de agora um homem de área?
Pode dizer-se que sim. É esse o objetivo, com certeza.
 
Portanto podemos esperar um homem de área para muitos anos na seleção?
É esse o meu maior desejo. Mas tenho de referir que não concordo quando se diz que não há pontas de lança no futebol português. Há, sim. Há muita gente com valor e com qualidade. Muitas vezes é uma questão de sorte e de se ser feliz no momento. O que eu mais quero é chegar à seleção nacional e afirmar-me.


 
Por falar em seleção, já lá esteve e agora foi pré-convocado, num sinal de que Fernando Santos está de olho em si...
A seleção é o auge da carreira. É uma sensação estrondosa que ambiciono repetir várias vezes. Estou no campeonato certo, para já, quero continuar a evoluir e chegar à seleção.
 
Lembra-se do que sentiu quando chegou a primeira vez à seleção?
O que me lembro é que fiquei a olhar para as pessoas. Eram jogadores que eu via na televisão, jogadores por quem eu torcia ao longe e que naquele momento estavam ao meu lado. Eu admirava-os, ficava a olhar para eles... Não sei se chegaram a reparar, eu tentava disfarçar ao máximo, mas nem sempre foi possível...
 
A integração correu bem, portanto?
Correu super bem. Os jogadores mais experientes acolhem muito bem a malta jovem, é um grupo excelente e muito bem capitaneado.
 
Ter sido pré-convocado para esta dupla operação em setembro foi importante?
Foi muito importante. Estou numa II Liga, apesar de ser Inglaterra é uma II Liga, e era importante sentir que o selecionador está atento. Fiquei a saber que se estiver bem, fisicamente apto e a corresponder, posso ser chamado.
 
O Championship é superior à liga portuguesa?
Não diria superior. É diferente. A liga portuguesa é muito técnica e tática, o Championship é baseado na intensidade. É correr, correr, correr do primeiro ao último minuto. A atmosfera é uma coisa incrível, entrar num campo do Championship, tanto em casa como fora, é incrível. É inacreditável.
 
Por causa dos adeptos?
Os adeptos são a melhor coisa que existe neste futebol. É um país que vive para isto. Mesmo quando ando na rua, sinto que são pessoas que não têm vergonha, praticamente todos os dias tiro fotografias, dou autógrafos, enfim. São pessoas muito acolhedoras.
 
Já sentiu a grandeza do Sheffield, um clube histórico?
Sinto essa grandeza desde o primeiro dia em que cheguei. É incrível. Desde o momento quando saímos do aquecimento até quando regressamos para o jogo, o estádio fica completamente a abarrotar. As pessoas não veem o aquecimento, mas quando começa o jogo o estádio está completamente cheio, com uma atmosfera fantástica.
 
É curioso que tem feito uma carreira sempre a subir: Beira Mar de Almada, juniores do Nacional, Mirandela, Nacional e agora Sheffield...
Tem sido uma progressão equilibrada. Tem sido sempre um clube melhor do que o outro, dando um passo de cada vez. Não tenho dado passos grandes, porque isso podia fazer-me dar um tombo grande também. Acho que estou a dar os passos certos, com as pessoas certas e os conselhos certos. Espero continuar assim, porque não quero parar por aqui.
 
Sente o peso de ter custado três milhões de euros?

Não, não penso nisso. Isso é entre clubes. Os valores não são nada comigo, eu só quero jogar futebol.