Esta temporada, Manuel Machado já deu nas vistas em duas conferências de imprensa, em momentos bem diferentes. Primeiro, quando perdeu no Dragão, numa ronda em que os grandes passearam, criticou a falta de soluções para travar o desequilíbrio no futebol português. Nesta conversa com o Maisfutebol indica por onde entende que deveria passar a tentativa de reduzir as diferenças. 

Depois, mais tarde, quando empatou com o Sporting, e ao ver a sala de imprensa cheia, convidou os presentes a aparecer em mais jogos. Também o jornalismo desportivo foi tema de conversa com o técnico do Moreirense. 

Ainda houve espaço para lembrar a rábula famosa dos humoristas «Gato Fedorento», que abordava a linguagem cuidada do treinador, imagem que nunca mais perdeu, e os gostos pessoais fora do futebol, que vão do cinema europeu a Bezegol. 

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A frase sua que este ano mais deu que falar foi aquela no Dragão, quando criticou a falta de equilíbrio do campeonato português e falou em «carne para canhão». O que julga ser mais urgente fazer neste momento?

Tanto quanto sei, dos 27 filiados na UEFA – são 27? Não tenho a certeza, mas não é relevante - só Portugal não tem os direitos televisivos concentrados no organismo que tutela. Espanha é uma coisa intermédia e de resto toda a gente tem os direitos centralizados e depois têm uma fórmula de distribuição. Nós não somos mais inteligentes. É a velha questão do soldado que vai a marchar com o passo trocado, mas a mãe que está de fora acha que ele está certo e os outros todos estão errados. Não acredito que nós é que estejamos certos. O modelo inglês, francês, alemão levou à expansão da qualidade. Vê-se agora nos confrontos internacionais como ficamos pequeninos. Na sequência dessa minha intervenção alguém escreveu um artigo muito interessante que dizia: «Grandes? Em Lilliput». Os nossos grandes são muito grandes internamente. Mas torço sempre por todas as equipas portuguesas na Europa. Quanto mais sucesso tiverem mais ganha o nosso futebol. Mas o que vemos é que um campeonato interno com grau de competitividade mais elevado iria fazer com que os grandes crescessem também. Ninguém cresce na facilidade. Mas para termos essa competitividade, os pequenos têm de estar melhor apetrechados. Temos um campeonato de facilitismo.

Mas ainda aparecem surpresas…

Sim, porque tudo isto não quer dizer que o Benfica não dê um escorregão aqui ou ali, como o Sporting tropeçou aqui e amanhã, provavelmente, o FC Porto irá escorregar noutro lugar. Ninguém vai ganhar os 34 jogos. Mas lá fora fica mais difícil e contra equipas como o Besiktas, o Mónaco, o Basileia, o CSKA, que não são de topo, são de nível intermédio... Não estamos a falar de Liverpool, Manchester United, City, Barcelona, Real Madrid, Juventus...Mas, atenção, espero que cheguem mais à frente, está tudo em aberto. O Benfica, de um momento para o outro, melhora processos, melhora resultados, pontuação, rendimento e chega lá. O FC Porto tem a porta aberta e o Sporting não me parece estar condicionado. Agora, internamente, com um campeonato mais competitivo, se calhar até com um quadro diferente, poderiam crescer mais. Na Grécia, por exemplo, há uma pole final, com os primeiros. E essa ponta final vai ser mais aguerrida, mais competitiva e faz crescer os clubes. Mas isso é trabalho de quem tutela. A Liga, a Federação e o Secretário de Estado do Desporto. Essa gente é que tem de refletir e, se não resolver o problema, pelo menos minimizar o mesmo.

Também tem sido crítico do jornalismo. Que opinião tem sobre o jornalismo desportivo em Portugal?

Há bons, médios e maus, como em qualquer área. O que acho é que alinham muito com o campeonato. Centram a atenção naquilo que já tem atenção. Eu sei que, como um clube de futebol precisa valorizar ativos para ter rendimento e manter as portas abertas, também um órgão de comunicação tem de ter liquidez para pagar salários e manter a porta aberta. Sabemos que o leitor vai à procura do mesmo e vocês, por tendência, dão-lhe aquilo que ele quer, que é Benfica, FC Porto e Sporting e os que jogam com eles naquele fim de semana. Não me passa ao lado essa realidade. Agora se me diz se é uma realidade com a qual estou de acordo? Digo que não, não estou.

Já o vi, em várias conferências de imprensa, avaliar também a qualidade das questões dos jornalistas.

(Risos) Acho que muitas vezes fazem mal o trabalho de casa. Uma vez um rapaz pelo qual tenho o maior respeito e estima, na Madeira, perguntou-me: como viu o jogo? E eu respondi: olhe vi de pé, junto ao banco...Há que olhar para o jogo com algum cuidado para depois pegar em três ou quatro coisas, pelo bem e pelo mal, e confrontar o treinador com isso. Questões específicas que mostrem que se importam e seguiram o jogo. O que acontece muitas vezes é que entro numa sala, fica um silêncio até alguém dizer: um comentário ao jogo? (risos) Eu estou a brincar, agora falando a sério: tenho muito respeito pela comunicação social, acho que fazem um trabalho fantástico, somos parceiros, a dependência é mútua. E por isso há que ter respeito pelas pessoas.

Vê programas de televisão sobre futebol?

Aqueles trios não vejo. Seria até contraditório em função do que disse. Eles só falam do mesmo. Não me interessa. O meu campeonato não é aquele. Que me interessa o conflito entre o FC Porto e o Sporting, o Benfica e o FC Porto? Se foi penálti ou não? Se foi mão ou não? O que o dirigente disse ou não. São realidades que não me tocam. De resto, hoje em dia já não fico à espera que um canal me mostre uma coisa que já tenho à minha disposição no telefone neste momento. Vejo mais informação em geral. No verão gosto muito de acompanhar a Liga Diamante de atletismo. Têm passado alguns jogos de andebol, que eu joguei muitos anos, da Liga dos Campeões e vou vendo. Vejo algum desporto alternativo. Gosto de ver filmes, mas filmes que me contem uma história. Aquela coisa flashada de tipos que passam paredes não é para mim. Cinema francês, algum cinema de Leste...São coisas que me interessam. Gosto muito de ouvir música. À noite faço sempre a minha caminhada e o Bezegol é um gajo que me interessa... (risos)

Também é conhecido por ter criado muitas expressões do futebol português e por uma forma específica de falar, sobretudo desde aquela paródia do Gato Fedorento. Como é que vê isso e como acha que olham para si?

(Risos) Quando apareceu aquela brincadeira daqueles rapazes nem levei muito a sério. Nem tinha consciência de ter um discurso diferente. Aliás, até acho que aquilo que eles apresentam ali nem tem nada de substância de diferenciação. Eu estou aqui a falar convosco e estou a falar normal, não é? (Risos) É assim que falo com os jogadores, é assim que falo no dia a dia. Daqui a pouco vou jogar bilhar com os meus amigos da juventude e a conversa é esta. Não posso ser mais informal do que estou a ser e normalmente vou por aí. Agora, se no futebol muitos colegas vivem de chavões repetitivos, ter um discurso mais fluido chama a atenção... Repare, eu fui professor do ensino secundário durante 30 anos. Não me querem pôr a falar como docente para alunos de uma forma atabalhoada, não é? Se calhar veio um bocado desse cuidado académico ter um discurso um pouquinho diferente do comum. Nem digo melhor, nem pior...

Sabe que antigamente a imagem do profissional de futebol não era a melhor, sobretudo no discurso...

Hoje é diferente. Você fala com algum dos meus jogadores, estes e os que tive para trás, e vê que há ali algo bem estruturado. Mesmo em termos académicos não estamos a falar de gente com a quarta classe. Atenção. Tenho aí um jovem de média superior a 19, no secundário. Não vamos falar à bruta com esse tipo de gente, não é?