Respirar fundo. Escolher o caminho certo e ser feliz. Pedro Pereira teve de se afastar do Estádio da Luz, e do plantel do Benfica, para voltar a sentir-se confortável num relvado de futebol. 

Em entrevista ao Maisfutebol, o lateral direito de 22 anos comunica com uma maturidade rara e aborda sem qualquer tipo de preconceito os dias de exigência insuportável de águia ao peito.

Pedro recupera as infindáveis viagens entre Vendas Novas e Lisboa - com o pai ao volante -, a mudança para o Seixal e o afastamento gradual da escola. Um afastamento que até provocou a entrada em cena da Proteção de Menores.  

Uma entrevista de emoções fortes, um futebolista de enorme consciência.


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Maisfutebol – Como surge o futebol na vida do Pedro Pereira?

Pedro Pereira – Eu só jogava à bola na escola, quando o meu pai recebeu um convite para ser o treinador das escolinhas do Estrela de Vendas Novas. Eram todos dois ou três anos mais velhos do que eu. Eu fui assistir ao primeiro treino e o meu pai perguntou-me se eu queria jogar. Fui ficando (risos). No ano a seguir o Estrela acabou com esse escalão e eu fui para o GDR Afeiteira. No final dessa época ganhámos o distrital da AF Évora e o Benfica mostrou interesse em mim.


MF – Que idade tinha nessa altura?

 

PP – Nove anos.


MF – Como é que uma criança gere a emoção de um convite desses?

 

 

PP – Com entusiasmo. O meu pai recebeu uma carta para irmos fazer um treino ao Estádio da Luz e fiquei radiante, muito feliz. Eu jogava futebol por diversão, apenas isso, e nunca pensei que tivesse capacidade de ficar no Benfica. Fui ao treino, as coisas correram bem e chamaram-me para a segunda fase de captações, já no Seixal. Aí o ambiente já era mais sério. Gostaram de mim e assinei pelo Benfica.


MF – Passou a fazer todos os dias o percurso Vendas Novas-Seixal?

 

 

PP – Vendas Novas-Lisboa. O meu pai era presidente da escola secundária de Vendas Novas e reformou-se nessa altura. Aproveitou os muitos anos que passou nos Comandos. A partir daí passou a encarregar-se do meu transporte diário. Saíamos de Vendas Novas às cinco horas, depois da escola. O meu pai levava-me o lanche no carro e seguíamos para Lisboa, os treinos eram nos Pupilos do Exército. A viagem demorava uma hora, uma hora e meia, dependendo do trânsito. Chegava a casa por volta das onze da noite.


MF – Percebe-se que o seu pai foi fundamental para o seu sucesso no futebol.

 

 

PP – Estou muito agradecido aos meus pais, sempre me apoiaram. Sei que para eles foi um sacrifício enorme. Nunca me deixaram abandonar este caminho, este sonho. Eles querem o melhor para mim e falam com um orgulho sobre mim.


MF – Como se chamam os seus pais?

 

 

PP – O meu pai chama-se António e a minha mãe chama-se Isabel. Deixo-lhes aqui um agradecimento público por tudo o que fizeram e fazem por mim.


MF – No meio dessa aposta no futebol, onde ficou a escola?

 

 

PP – Andei na escola em Pegões até ao oitavo ano e a meio desse ano letivo mudei-me para o Seixal. Começou a ser impossível conciliar tudo. Falámos com o Benfica, mas o centro de estágio não tinha mais quartos disponíveis. Então, decidimos que a ajuda que o Benfica nos dava para as viagens – combustível, portagens – seria aplicada no pagamento da renda. Fui morar com o meu pai para uma casa no Seixal e mudei-me para a escola onde andava a malta toda do clube. Fiquei lá até ao décimo ano. Aos 17 anos deixei a escola de lado, infelizmente. Passei a focar-me só no futebol, sentia que as coisas me estavam a correr bem, a ter um bom feedback e acreditei que ia ter uma carreira. Passei a fazer treinos no ginásio às escondidas do Benfica, dava mais horas do meu dia ao futebol e comecei a faltar às aulas.


MF – Os seus pais sabiam?

 

 

PP – Sim. Até fui chamado à Proteção de Menores porque as faltas já eram muitas. Os responsáveis desse organismo chamaram-me, a mim e aos meus pais, e perguntaram-nos se havia algum problema comigo em casa ou se andava na má vida. Expliquei-lhes o que se passava, que estava a apostar no futebol e a verdade é que pouco tempo depois estava a assinar pela Sampdoria e a jogar na Serie A ainda com 17 anos.


MF – A família apoiou-o nessa opção total pelo futebol?

 

 

PP – A minha mãe, sim, sempre. O meu pai estava mais de pé atrás. Quando chegou a carta da Proteção de Menores a nossa casa, a minha mãe veio falar comigo e perguntou-me se eu estava disposto a arriscar tudo pelo futebol. Disse-lhe que sim e ela garantiu-me que estaria sempre ao meu lado.


MF – Na formação do Benfica houve algum treinador que o tenha marcado de forma especial?

 

 

PP – Tive dois treinadores muito importantes. O mister Luís Nascimento e o mister Renato Paiva. O Renato foi o que mais me marcou, ainda hoje falo com ele. É uma pessoa especial, sempre acreditou em mim e no meu potencial. Tocou-me muito a forma como se entregava aos treinos e ajudava cada um dos jogadores. Nesse ano com o mister Renato, nos juvenis, as coisas nem sempre correram bem à equipa, mas fomos campeões nacionais e só vitórias na fase final.


MF – Quais são as memórias mais marcantes na formação do Benfica?

 

 

PP – Esse último ano nos juvenis A foi especial e marcante. Por um lado fui campeão nacional, mas por outro tive uma notícia familiar horrível. Os meus pais separaram-se nessa altura e foi muito complicado chegar a casa todos os dias e ver o meu pai triste a abatido. O Benfica ajudou-me bastante a ultrapassar isso e a continuar focado no futebol.


MF – E os melhores amigos nesse período no Benfica?

 

 

PP – Tantos, tantos. O Diogo Calila (Belenenses), por exemplo. Crescemos juntos, entrámos para o Benfica na mesma altura e somos grandes amigos. O Ricardo Mangas (Aves), o Jorge Pereira (Famalicão), o Ricardo Araújo (Benfica B), o Diogo Mendes (Benfica B), somos muito próximos. Na formação é possível criar grandes ligações. Nos plantéis seniores, e em clubes menos grandes, é difícil arranjar amizades. Há feitios e objetivos muito diferentes.