Nunca tinha passado do terceiro escalão do futebol português. Quase com 23 anos, o V. Setúbal descobriu-o no Lusitano de Vildemoinhos, clube do Campeonato Nacional de Seniores.

Um salto grande. Enorme, talvez. Mas Costinha arriscou e está visto que não tem vertigens. De desconhecido, tornou-se em pouco tempo num dos indiscutíveis na equipa de Quim Machado.

O Maisfutebol esteve à conversa com uma das revelações do primeiro terço do campeonato. Sobre onde pode chegar o Vitória, o arranque individual ao serviço da equipa sadina e os erros cometidos na carreira. Por ele, sim, mas também por quem duvidou dele. «A melhor forma de provar que as pessoas estavam erradas é mostrá-lo dentro do campo», diz.

Um caso de sucesso imediato.

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Dois golos, duas assistências, terceiro jogador do Vitória com mais minutos na Liga. Surpreendido com este começo?
«Sempre confiei nas minhas capacidades, mas tenho tido uma grande ajuda de todo o plantel não só na integração e dentro de campo. Claro que é um começo muito bom para mim. Se no ano passado me dissessem que neste momento teria estas estatísticas, se calhar era um bocado difícil acreditar, mas não diria que estou muito surpreendido.»
 
É escusado perguntar se a adaptação à I Liga está a correr bem…
«Claro que está a correr bem e os números mostram um pouco isso. Tenho de agradecer ao Vitória, à equipa técnica e a todos os colegas que me ajudaram na minha integração. Só posso tirar boas conclusões até agora.»
 
No ano passado estava a jogar no Lusitano de Vildemoinhos, do Campeonato Nacional de Seniores [agora Campeonato de Portugal]. Como é que o Vitória o descobriu lá?

«Partiu um pouco da prospeção do Vitória e do trabalho que eu realizei lá ao longo de um ano e meio. A minha equipa também fez uma boa campanha. Conseguimos ir à fase de subida. A verdade é que o meu empresário Nuno Correia também foi muito importante, não só na minha vinda para o Vitória, como desde que me representa.»
 
Quais são as grandes diferenças entre o CNS e a Liga?
«Maioritariamente o ritmo de jogo. O andamento é diferente. E trabalhar ao fim de um dia com o cansaço do trabalho não é fácil. Eu tive a felicidade de nunca ter precisado de trabalhar, mas vários colegas meus tinham de o fazer. Penso que seria muito complicado depois de um dia de trabalho, depois de todas as chatices que podem acontecer, ter de ir treinar. Agora é diferente. Mas a atitude continua igual. É trabalhar no máximo.»
 
Nunca tinha sequer jogado na II Liga. Não sentiu que o salto direto de uma equipa do CNS para a Liga podia ser demasiado grande?
«É como disse: sempre acreditei que tinha capacidade para isto. Há bastante tempo que reclamava a minha oportunidade. Ela apareceu agora, tentei agarrá-la com as duas mãos e tento provar a todas as pessoas que apostaram em mim que estavam certas e que quem não apostou talvez estivesse errado.
 
A quem se refere? A clubes como a Académica ou o FC Porto, onde fez parte da formação?
«Exatamente. Clubes onde não tive oportunidades. Se calhar podiam ter apostado em mim e noutros colegas meus que agora estão nas luzes da ribalta. E mesmo lá fora, na Dinamarca, onde não tive tantas oportunidades como gostaria. A melhor forma de provar que as pessoas estavam erradas é mostrá-lo dentro do campo e não com palavras. E acho que é isso que estou a fazer.»


Costinha em ação no jogo com o Casa Pia para a Taça de Portugal. O V. Setúbal ganhou por 1-0 e carimbou a passagem aos oitavos de final da prova, onde vai defrontar o Rio Ave
 
O V. Setúbal jogou na última jornada com o FC Porto [derrota por 2-0 no Dragão]. Foi especial regressar a uma casa onde fez parte da formação [iniciados e juvenis]?
«Sim, é sempre especial. Foi um clube que me ensinou muito, não só como jogador mas também como homem. Foram três anos espetaculares, onde conheci amigos que ainda hoje prezo muito. Só tenho a agradecer tudo o que o FC Porto me deu.»
 
Chega à I Liga com 23 anos, já com alguns anos de sénior. Não é tarde, mas também não se pode dizer que seja cedo. Alguma vez duvidou que fosse possível?
«Reconheço que ao longo do tempo também tive algumas más decisões. Se não tivesse ido para a Dinamarca, talvez conseguisse chegar aqui mais cedo. Mas não há que olhar para trás.»
 
Alguma vez pensou em desistir do futebol?
«Não diria que pensei em desistir mas, se calhar, se daqui a dois ou três anos não estivesse aqui, começaria a ver outras opções. Talvez voltasse à faculdade e começasse a pensar no meu futuro, tal como já estou a fazer.»
 
Um plano B…
«Ando a tirar o curso de treinador e a fazer um estágio aqui no Vitória, o que é sempre importante. Nunca se sabe o dia de amanhã. Uma lesão pode acabar com a carreira de um jogador em segundos. Queria continuar ligado ao desporto. Se um dia fosse para a faculdade, tiraria algo relacionado com desporto ou fisioterapia. Mas agora quero trabalhar o máximo possível para atingir outros rumos.»

Um dos seus treinadores nos juniores da Académica disse recentemente ao MAISFUTEBOL que o Costinha teve dificuldades na transição para o futebol sénior. Verdade?
«Sem dúvida. Também não tive sorte. Na altura [na Académica] já estava a faze alguns treinos com os seniores e em janeiro tive uma lesão no pé que me fez terminar a época. Depois disso não voltei a ter oportunidades e não foi fácil voltar ao ritmo anterior. Mas é como disse: às vezes mais vale dar um passo atrás para depois dar dois ou três à frente. Isso aconteceu comigo. Na Académica não me deram a oportunidade de mostrar o meu valor.»


 
Teve uma passagem por um clube da II divisão da Dinamarca [Fredericia]. Como é que foi lá parar?

«O agente que me representava tinha alguns conhecimentos na Dinamarca. Eu estava na 3.ª divisão e surgiu a oportunidade de ir à experiência. E foi assim: fui à experiência, fiz a pré-época, com alguns jogos, e estive lá um ano e meio.»
 
Disse há pouco que a ida para a Dinamarca foi uma má decisão… Foi um passo atrás?
«Foi um passo atrás em termos desportivos, mas talvez um passo à frente em termos sociais. Fez-me crescer como pessoas e perceber que há valores mais importantes do que o dinheiro. Desportivamente não foi tão bom porque o treinador que me quis foi despedido passados seis meses. Depois entrou outro treinador com outras ideias e as coisas complicaram-se um pouco. Mas conheci uma nova cultura, um povo que está sempre disposto a ajudar. Mas é claro que tive dificuldades. Desde estar no balneário e não perceber nada do que os meus companheiros diziam.»
 
Foi para lá essencialmente pelo dinheiro?
«Sim, também. Estava na 3.ª divisão e as coisas não tinham corrido bem. Fui também atrás de um sonho, porque se corresse bem também era uma boa rampa de lançamento para mim. Mas é claro que o dinheiro também influenciou, não vou mentir. Quando voltei, estava numa altura má desportivamente e já um pouco esquecido em Portugal. Foi preciso dar um passo atrás para depois dar dois ou três à frente.»
 
Arrepende-se?
«Não! O que está feito, está feito. É como disse: se não tivesse ido, talvez chegasse aqui mais cedo. Ou então não, nunca saberemos isso.»