*Enviado-especial ao Euro 2016

Caro Léo,

Eu, tal como tu, sempre fui argentino desde pequenino. Tu desde que nasceste claro, eu desde os papelinhos a cair, a preto e branco, na televisão de um primo em Odivelas. Os papelinhos na vida de um puto de quatro anos marcam, mesmo em monocromático e depois de aparecerem por detrás de fatos de flanela de elegância duvidosa.

Para ti, é a tua pátria, para mim é a segunda, com as raízes plantadas ainda mais fundo oito anos depois por esse deus da cancha de quem não vou dizer o nome porque não quero perturbar-te ainda mais.

Estou no Euro 2016 e tu na Copa América. Bem, estavas. Desculpa, não é piada. É apenas um facto. Já deves ter ido para casa chorar no ombro mais confortável entre todos os da tua família. Na maior parte das vezes são os filhos que os têm, agarramo-nos a eles porque choramos como crianças e percebem-nos melhor. Estão habituados. Acredito que se passe o mesmo contigo.

Ainda estou por cá, e mesmo que não estivesse seria igual, não teria como dar-te um abraço e dizer-te

És enorme, Pulga!

Por isso, uso a hashtag, essa modernice que inventaram e que serve para muito pouco excepto para o trending do posting, uma competição inútil nas redes sociais. Pode ser que assim chegue até ti, rapaz. Talvez não. Mas, se chegar, quero que saibas que nunca tive muito jeito para estas coisas, para estas palmadinhas no ombro, para palavras de conforto em momentos de agonia. Estou a dar o meu melhor. Espero que compreendas.

Tu és enorme, Léo! Enorme entre enormes, e com o tempo andaremos ainda mais a discutir entre ti, o tal de quem não posso dizer o nome e Pelé, a beber minis e a devorar, de mangas arregaçadas, pratos inteiros de amendoins. Para eles vão sempre sobrar, como restos de cascas nesses pires, Campeonatos do Mundo, Copas Americas, coroas de reis das respectivas nações. Tu serás sempre ligeiramente menor porque não as tens, e vais sempre achar que tens pouco.

És rei de um clube, bandeira de sentimento de pertença, senhor de um país que não o teu, muitas vezes de um continente que não aquele em que nasceste. És e serás sempre uma lenda e, se queres o meu conselho, deixa as outras em paz. Essas já têm relações privilegiadas com os deuses e movem as suas influências nisto da sorte e do azar.

Que penálti azarado, Léo!

És enorme, tenho de repetir? Eu que sou português, e também um pouco argentino como te expliquei, tenho de te dizer, agora que ninguém nos ouve, que serias mais feliz se não o fosses. Argentino, claro.  

És europeu, Léo! És catalão. Pensas como um espanhol de Barcelona. Andaram anos a fio a sugar-te a individualidade fora de campo, permitiram apenas que a libertasses lá dentro, no meio do tiki-taka, porque és maior do que todos os outros. E, ao mesmo tempo, uma peça de um sistema. A mais polida, a mais importante, mas peça do tal sistema.

Aquele que hoje não tem nome jogava sozinho. Eu sei que tu também és capaz, mas não é a tua natureza. Ele só precisava de um Enrique, de um Batista, de um Burruchaga. Do Valdano. Do Caniggia. Tu tens mais e mesmo assim não consegues, porque a Argentina precisa de quem mova montanhas só com os seus braços. Não é a soma de várias partes. Não é do meu tempo que o tenha sido.

O meu lado argentino pede-te que fiques, a lógica diz-me que não há outra maneira que não seja ires. Não és, Léo. És mais espanhol, e não podes. Devias estar na Roja que hoje deu um trambolhão em Saint Denis. Devias ter ido lá para baixo fintar italianos e isolar o Iniesta ou outro qualquer. Fazer uma maldade ao Chiellini tão grande como a que fizeste ao Boateng.

O teu mal foi que nasceste no meio de dois mundos. Foste dividido pelo Atlântico e ficaste sem pátria.

Mas, acredita, serás sempre enorme, génio! Enorme entre enormes. E alguém, um dia, também já não poderá ouvir pronunciar o teu nome!

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«ERA CAPAZ DE VIVER NA BOMBONERA» (que durante o Euro 2016 se passa a chamar «Ici c'est la Bonbonnière») é um espaço de opinião/crónica de Luís Mateus, sub-director do Maisfutebol, e é publicado de quinze em quinze dias na MFTOTAL. Pode seguir o autor no FACEBOOK e no TWITTER. Luís Mateus usa a grafia pré-acordo ortográfico.

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