Em 2008 a redação do Maisfutebol, em parceria com o cartoonista Ricardo Galvão, publicou na Prime Books o livro «Doze Euros no Bolso», que passava em revista, de forma bem-humorada, os momentos mais marcantes da história dos Campeonatos da Europa. São alguns desses textos, adaptados e atualizados, que recuperamos agora, para intervalar a atualidade do Euro 2016 com as memórias que ajudam a fazer a lenda da segunda maior competição internacional de seleções.

Sir Henry, o fundador

O bigode cerrado, o chapéu de coco, o cachimbo, a pose fleumática. Tudo na imagem de Henri Delaunay sugeria a admiração por esses cavalheiros britânicos que, na viragem para o século XX começaram a espalhar pela Europa o vírus de uma modalidade fácil de entender, replicando um mundo gerido por regras claras e consensuais. O desporto era um meio privilegiado para atingir esse objetivo. Por brincadeira, os amigos chamavam-lhe «Sir Henry», assim mesmo, à inglesa.

Nascido em 1883, numa família abastada, apaixonou-se cedo pelo futebol. Uma paixão reforçada pelas frequentes viagens a Inglaterra, onde se deliciava com os jogos da Taça. Foi jogador, árbitro, dirigente e, aos 36 anos, já era secretário-geral da recém-criada (em 1919) Federação Francesa de Futebol. Aos 40, era um dos homens mais influentes da FIFA. Braço direito de outro visionário, Jules Rimet, ajudou-o a projetar o sonho de uma vida: o Mundial de futebol.

Mas «Sir Henry» queria mais. Entre 1924 e 1928 bateu-se pela criação de uma taça europeia de clubes – que viria a nascer, 30 anos mais tarde, pelos esforços de outro francês, Gabriel Hanot - e outra de nações. Estava adiantado no tempo, como as crises políticas dos anos 30 se encarregaram de demonstrar. Com a Segunda Guerra Mundial o futebol estagnou. Só depois da fundação da UEFA, em 1954, Delaunay, que foi o seu primeiro secretário-geral, teve condições para retomar o sonho de um Campeonato da Europa de Nações. Por pouco tempo, porém: morreria em novembro de 1955, pouco depois de ver nascer a Taça dos Campeões Europeus de Clubes.

O seu filho, Pierre, sucedeu-lhe no cargo e na combatividade. Até 1957 concluiu e viu aprovado o projeto do primeiro Europeu. A França foi a escolha óbvia para palco da fase final, em 1960. E a UEFA homenageou o espírito empreendedor e visionário de «Sir Henry», dando o seu nome ao troféu que, a cada quatro anos, é levantado pelo capitão da melhor seleção europeia – uma ânfora de prata, avaliada em 22.500 euros, que inicialmente media 50 centímetros e que, a partir de 2008, teve direito a um upgrade, ganhando mais dez centímetros de altura e uma base mais vistosa.

O primeiro thriller

Valha a verdade, a primeira edição do Europeu foi tudo menos um sucesso retumbante. O modelo escolhido previa eliminatórias a duas mãos, até restarem quatro seleções, que se defrontariam numa fase final, com meias-finais e final. Mas Alemanha, Inglaterra, Itália e Suécia, entre muitas outras, recusaram-se a participar. E, para agravar o enguiço, o grande choque dos quartos de final, a duas mãos, não passou do papel: por razões políticas a Espanha do grande Di Stéfano, não aceitou enfrentar a URSS e foi desqualificada.

Na fase final, em França, a seleção organizadora tinha a companhia de Checoslováquia, URSS e Jugoslávia. O cartaz não era dos mais chamativos. Para evitar um desastre de bilheteira tornava-se imperioso que os franceses estivessem na decisão, marcada para o Parque dos Príncipes.

Mas a França estava privada dos seus craques, Kopa, Fontaine e Piantoni, lesionados. E na meia-final com a Jugoslávia acabou do lado errado de uma das maiores reviravoltas de que há memória no futebol de alto nível.

Não se defendia muito, nesses tempos. Mas mesmo assim ninguém esperava aquele vendaval de golos: aos 75 minutos a França vencia por 4-2 (já tinha estado a ganhar por três golos) e tinha o bilhete para a final nas mãos. Os jugoslavos, nervosos, até tinham ameaçado abandonar o campo após o quarto golo francês, segundo eles precedido de fora de jogo. Mas a sua temível linha avançada pressentiu a tremideira na defesa dos bleus e começou a fazer circular a bola com técnica e precisão. Quando Knez reduziu, a confiança francesa ruiu como um castelo de cartas. A bola foi ao centro e, no lance seguinte, Jerkovic fez o 4-4.

O guarda-redes Lamia tremia como varas verdes e, no ataque imediato, Jerkovic (que viria a sagrar-se rei dos marcadores no Mundial do Chile, dois anos mais tarde) voltou a marcar, pondo os jugoslavos na frente. De 4-2 para 4-5 em apenas três minutos!

O Parque dos Príncipes assistia, gelado, à derrota da sua seleção. A Jugoslávia, que nesse ano viria a conquistar o título olímpico, seguia para a final. E o Campeonato da Europa ganhava o seu primeiro jogo para a eternidade.