André Villas-Boas, antigo treinador do FC Porto que ainda não confirmou se será candidato à presidência dos dragões no próximo ano, criticou a gestão financeira da SAD portista, tendo destacado o último Relatório e Contas.

«O recorrer a vendas de capitais e linhas de crédito não passa, no fundo, de tentar salvar anos de gestão que não funcionaram», começou por dizer o técnico de 46 anos, em entrevista ao Expresso.

«O FC Porto tem um passivo absurdo e o que é claro é que os modelos operacionais que estão em funcionamento nos últimos 10, 12 anos não funcionam, porque levam o FC Porto a um ponto sem retorno e penso que é isso que deixa os sócios cada vez mais desgastados e a razão pela qual se revoltam. Eu acho que enquanto há normas e normativas externas ao FC Porto que obrigam o FC Porto a reformatar-se sob a boa governança [fair play financeiro], as mesmas não deviam ser só externas, deviam ser internas», referiu ainda.

Villas-Boas também criticou o prémio extraordinário de 1,6 milhões de euros atribuído aos administradores da SAD, referentes a 2021/22.

«É uma péssima mensagem. O que deveria ter acontecido era a existência de ponderadores negativos, o que no panorama financeiro do clube do FC Porto retiraria todo e qualquer direito à premiação. O que me parece é que há ponderadores positivos que estão relacionados com a parte desportiva, que acabam por premiar os administradores quando o clube se encontra em ruína absoluta. O que é que acontece no FC Porto e que eu acho que tem levado à saturação das pessoas: há uma grande disparidade entre sucesso desportivo e desequilíbrio financeiro e isso corresponde especificamente à gestão da organização. O FC Porto tem gastos absurdos não só na sua massa salarial, mas também nos seus serviços externos, nos comissionamentos, na administração. Há uma série de poupanças que são evidentes e fáceis de fazer, havendo desejo para que as mesmas aconteçam. E acho que isso não aconteceu no caso desta administração», vincou.

«Mas, digo-vos sinceramente, o que mais me choca é a forma leviana e de bom tom e de cavaqueira com que se apresentam contas de 50 milhões de euros de prejuízo. Isso é grave e acho que é isso que leva à saturação atual porque não pode ser tão fácil e tão gozão apresentar umas contas destas. E é isso que leva à revolta das pessoas e a um desejo sentido de mudança. Todos nós enfrentamos dificuldades na nossa vida eu acho que nenhum de nós é capaz de na nossa gestão familiar endividar as nossas famílias a um ponto de não retorno porque o que todos nós queremos é o bem da nossa família, é o bem dos nossos filhos e projetar o desenvolvimento humano, pessoal e de riqueza dos seus filhos para o futuro. No caso do FC Porto estamos quase em ponto de não retorno. Havendo a continuação de uma gestão destas no futuro entraremos em ponto de não retorno, porque os ativos do FC Porto estão hipotecados, o estádio está hipotecado. Portanto, o Futebol Clube Porto neste momento não é dos seus sócios: é dos bancos, é dos fornecedores, é dos clientes. As receitas futuras estão cada vez mais antecipadas, o que por si só também é uma prevaricação com o futuro do Futebol Clube do Porto», sublinhou.

Villas-Boas abordou ainda alguns tópicos que entende que deviam mudar na gestão dos dragões, entre os quais o «modelo só dependente das receitas da UEFA e televisivas».

«Tem de arranjar um crescimento de marca, maneiras de criar valor e de se organizar internamente para que, um dia, se algum descalabro aconteça — particularmente uma não qualificação europeia —, o FC Porto possa sobreviver sem essas receitas. Estar, durante os últimos 20 anos, somente sustentado nas receitas da UEFA e nas vendas de jogadores ditou esta perda constante de valor até ao ponto quase de não retorno», frisou.