Um líder. É assim, de forma simples e precisa, que se define o homem que tem a missão de levar a nau portista até à conquista daquilo que foge há três anos: títulos. Com o campeonato nacional, naturalmente, à cabeça, Nuno Espírito Santo foi a escolha da SAD para recolar o clube no trilho das vitórias.

Na conferência de imprensa de apresentação, Nuno definiu três pilares sobre os quais quer começar a construir uma equipa que devolva o orgulho portista. Os já chamados «três c’s»: compromisso, cooperação e comunicação.

Não surpreende, de facto. «Ele cria laços muito fortes com os jogadores», diz Nuno Lopes, que foi treinado pelo antigo guarda-redes no Rio Ave.

Em conversa com o Maisfutebol, o lateral, atualmente nos cipriotas do Apollon Limassol, faz um retrato do novo técnico do FC Porto, através da experiência em Vila do Conde: «É um líder. Esse é o ponto forte dele. Respeita todos os jogadores e trata todos por igual o que cai muito bem no grupo. Por exemplo, eu não era dos que mais jogava no Rio Ave e sempre senti o apoio dele. Sentia-me motivado a dar tudo, mesmo assim, a assumir os compromissos do grupo.»

Os laços que cria com os jogadores são muito fortes. «Posso dizer que, em alguns casos, estou a falar mesmo de amizade», sustenta Nuno Lopes.

Rúben Ribeiro, que também integrou o plantel vila-condense aquando da passagem de Nuno Espírito Santo, corrobora. «É uma pessoa que sabe lidar com o pensamento dos jogadores. É um grande líder, um grande condutor de homens. É um bom treinador e como homem é fantástico», salienta.

Nuno no ano de estreia no Rio Ave

Não admira, portanto, que no discurso de apresentação, Nuno tenha puxado um pouco pelo ego dos jogadores que têm contrato com o FC Porto. E são muitos. Quando ao longe se via uma revolução no horizonte, o técnico coloca um travão. «Existe muita confiança no que temos. Acreditamos que podemos potenciar jogadores, fazer com que o seu rendimento suba e seja um rendimento máximo», garantiu.

Certamente que, mesmo de férias, muitos dos jogadores portistas que fazem contas ao futuro gostaram da mensagem de apreço. E não surpreende Rúben Ribeiro.

«Acho que as pessoas têm uma ideia algo errada dele. Acham que não dá muita confiança aos jogadores, mas não é verdade. Foi excelente trabalhar com ele e o FC Porto só vai ganhar com isso. Lembro-me que cheguei debilitado por causa de uma lesão ainda do tempo do Paços e ele veio falar comigo o que para mim foi ótimo. Ver uma figura como o Nuno Espírito Santo a preocupar-se comigo foi extraordinário», descreve.

«Ele é um homem do ‘nós’; em nenhum momento diz ‘eu’»

O sentido de grupo é muito cultivado por Nuno Espírito Santo. Coloca a equipa acima de tudo. Por exemplo, não é grande fã de entrevistas, por entender que se centram demasiado na sua pessoa, quando o que importa é o grupo. Aliás, numa das raras entrevistas que deu durante a passagem pelo Rio Ave, impôs como condição ao jornal desportivo que a fotografia principal fosse de fosse de toda a equipa técnica e não apenas sua.

«É um homem do ‘Nós’. Em nenhum momento ele dizia ‘eu’. ‘Somos nós’, equipa. É assim que ele fala. Quando perde, não diz que a equipa perde. Perdem todos. É um líder, insisto», diz Nuno Lopes.

Gosta, portanto, de dar o exemplo. Por isso, exige também que os jogadores o façam. Que os objetivos do grupo se sobreponham aos individuais. Rúben Ribeiro conta um exemplo curioso do tempo do Rio Ave: o cofre do compromisso.

«Criou um cofre que estava sempre no balneário onde estava guardado um documento que tinha o compromisso do grupo pelos objetivos da equipa. Todos assinavam para garantir que iam dar tudo pela equipa. Ele incutia essa mentalidade. Depois o cofre estava sempre no balneário para que todos se lembrassem daquilo que prometeram fazer», explica.

Além disso, tem o cuidado, como se disse, de tentar uma boa relação com todos. «Não é um treinador reservado, daqueles que entram nos treinos sem falar. Ele não, brincava, dava confiança aos jogadores e se surgisse algum problema tinha uma característica que eu gostava muito: resolvia as coisas à frente do grupo. Não dava margem a especulações», sublinha Nuno Lopes.

Rúben Ribeiro vai mais longe: «Disse mesmo ao Nuno que trabalhar com ele foi das melhores experiências que tive no futebol.»

Nuno dá muita importância à relação com os jogadores

«Antes da final da Taça de Portugal, o Nuno reuniu-nos todos e fizemos uma espécie de balanço da época. Quando chegou a minha vez de falar disse-lhe exatamente isso: que tinha adorado a experiência. Num grupo de trabalho nem sempre gostamos de toda a gente, mas ali era um grupo em que me sentia muito bem. Muito mérito do Nuno. Quer jogassem ou não todos alinhavam e trabalhavam para o grupo. Era uma grande família», resume o médio.

Contudo, se é certo que no Rio Ave tudo correu na perfeição, no Valência, onde o nível de exigência é maior, teve de lidar com algumas situações fora da esfera desportiva, nomeadamente com João Pereira, na primeira época, e com Álvaro Negredo, na segunda. Aliás, o avançado espanhol esteve mesmo dois meses sem jogar durante os últimos tempos de Nuno em Valência, voltando ao ativo mal Gary Neville pegou na equipa.

«Não gosta de dar espetáculo no banco»

Entremos, então, na vertente tática e de preparação do jogo. No Rio Ave dava primazia ao 4-3-3, sistema que o FC Porto usa há anos e no qual assentaram várias das suas conquistas. No Valência também jogou preferencialmente nesse sistema, embora por vezes variasse. Chegou a adotar o 4-5-1, por exemplo.

As características dos adversários podem pesar no esquema a usar. Nuno Lopes conta que é dos primeiros pontos em que centra a sua preparação: «Normalmente as semanas começavam logo com análise ao adversário. Ficávamos logo a saber os pontos fortes e fracos de quem íamos enfrentar. Falava individualmente com os jogadores mas à frente do grupo.»

Naturalmente que do Rio Ave para o FC Porto, equipa que joga em qualquer campo para ganhar, vai um longo caminho, mas não é descabido pensar que a observação dos rivais será um ponto-chave. Aliás, o seu adjunto Rui Silva, que também está na nova equipa técnica do FC Porto, tem como uma das especialidades a observação. Trabalhou no ‘scouting’ portista no tempo de Jesualdo Ferreira, com quem saiu para o Málaga, antes de se juntar a Nuno.

Rúben Ribeiro também não tem problemas em colocar Nuno no topo no aspeto tático: «Acho que atinge quase a perfeição. Perfeição não existe, porque o futebol está sempre a evoluir.»

A definição do plano para o jogo é, portanto, um passo importante do trabalho de Nuno. Mas e como reage às alterações que ocorrem durante o jogo? Muitas vezes, tanto no Rio Ave como no Valência, foi acusado de não ter um plano B e de intervir pouco em jogo. Nuno Lopes dá a sua versão: «É verdade que ele é mais resguardado no banco. Não é muito espalhafatoso. Mas não quer dizer que não saiba ler e mexer no jogo.»

«Guarda as mensagens para o balneário ao intervalo, até porque, durante os jogos, os jogadores não têm a mesma capacidade de absorver as mensagens. Não é alguém preocupado em gesticular muito para agradar as massas. Não dá espetáculo. É inteligente a passar as mensagens», encerra.

Nuno raramente perde a postura no banco

O primeiro ex-jogador a treinar o FC Porto desde Octávio Machado

Nuno Espírito Santo é apenas o segundo ex-jogador do FC Porto a treinar a equipa no século XXI. O outro foi Octávio Machado, em 2001, numa experiência que não correu nada bem. Contudo, para quem gosta de superstições, também há o lado favorável: só um outro ex-guarda-redes do FC Porto treinou, depois, a equipa. Foi Miguel Siska e foi bicampeão (1938/39 e 1939/40).

Na era Pinto da Costa, Nuno Espírito Santo é o quinto treinador que orienta o clube depois de o ter representado como jogador. Além de Octávio Machado, outros casos são os de António Oliveira, Artur Jorge e José Maria Pedroto.

Será, ainda, a terceira época consecutiva que o FC Porto inicia com um antigo guarda-redes no banco, depois de Julen Lopetegui nas duas últimas.

E por falar em guarda-redes, a grande novidade da equipa técnica portista acabou mesmo por ser a adição de um novo técnico para os homens da baliza. Rui Barbosa trabalhou com Nuno no Rio Ave e foi, por exemplo, responsável pelo crescimento de Jan Oblak e Ederson que chegaram a titulares do…Benfica.