Para Zoran Filipovic, actual treinador do Estrela Vermelha, era inevitável uma quebra no futebol jugoslavo - porque a Jugoslávia já não é o mesmo país. «Clubes que jogam hoje na I Divisão jugoslava eram da III Divisão, têm uma estrutura mais fraca, menos dinheiro, condições para trabalhar menos favoráveis. A antiga Jugoslávia já não existe, esta é mais pequena, e a crise também chegou ao futebol. Os campeonatos domésticos da Croácia, Eslovénia ou Macedónia estão como o da Jugoslávia, onde a política de sanções internacionais também não ajudou.»

Filipovic, antigo jogador de Benfica e Boavista, que foi adjunto de Artur Jorge no Benfica, treinador do Salgueiros e adjunto na selecção nacional jugoslava, recorre à sua casa para explicar que as coisas estão a mudar. No dia a seguir ao regresso de Itália, onde o Estrela Vermelha foi eliminar o Chievo Verona da Taça UEFA, o treinador fala numa aposta no futuro do seu clube. «Mudámos a política do clube, dispensei alguns jogadores mais velhos, na casa dos 26/27 anos, e há cinco jogadores que saíram há pouco tempo das camadas jovens e que já são titulares. Estamos a tentar fazer uma equipa para chegar à Liga dos Campeões dentro de um ou dois anos.»

Para além da crise interna, o futebol jugoslavo sofre agora com a recessão na Europa - com a falência dos direitos televisivos à cabeça. «O Estrela Vermelha e o Partizan são clubes mais ricos, que tinham uma estrutura mais forte e que conseguiram manter, mas também vivem com dificuldades financeiras. Mesmo estes dois grandes têm de vender jogadores para sobreviverem. Este ano nenhum vendeu, mais por culpa da crise na Europa que por outra razão. Há mais jogadores livres, que não contam como estrangeiros como os jugoslavos.»

Ou seja, a sobrevivência através da venda de jogadores pode estar ameaçada, por isso a aposta agora é outra. «A nossa luta é jogar na Liga dos Campeões, coisa que nenhuma equipa jugoslava conseguiu até hoje, com 60 mil adeptos a encher o estádio, o que vai trazer dinheiro que permitirá manter os melhores jogadores. Para além dos derbies entre o Estrela Vermelha e o Partizan, só os jogos internacionais podem trazer muita gente aos estádios. Há talento, como mostrámos contra o Chievo Verona, mas é preciso deixar a equipa crescer.»

O problema é saber se, começando o Estrela Vermelha a brilhar, os melhores jogadores não serão vendidos, tendo de se voltar ao início. «Penso que a própria estrutura do clube não vai deixar sair os jogadores mais jovens», diz Filipovic.

Mediania no campeonato

A aposta clara vai para as competições europeias. O campeonato local, com as tais equipas que na antiga Jugoslávia eram da III Divisão, está nivelado por baixo, admite o antigo jogador de Benfica e Boavista. «O campeonato é competitivo, porque é equilibrado, mas não há quantidade de qualidade. Não há muitos bons jogadores, a maior parte está na mediania. Isso traz pouca gente aos estádios, porque não são clubes atrativos para os adeptos. A instabilidade política e os problemas sociais afectam as famílias e reflectem-se também no crescimento dos clubes e de grandes jogadores.»

Outro dos problemas, diz, é a saída prematura de alguns jogadores, que assim que dão nas vistas são transferidos para outros países. «Seria bom que houvesse uma regra que mantivesse os jogadores nos clubes até aos 24 anos, para que uma geração estivesse junta três ou quatro anos e crescesse tanto individual como colectivamente, mas é impossível contrariar a lei Bosman. O campeonato seria muito mais interessante, mas os jogadores mais talentosos saem muito cedo, com um custo reduzido. Isso penaliza os próprios jovens, pois saem quando ainda não estão feitos e raramente conseguem construir uma boa carreira.»

Com tudo isto, a selecção também acaba por ser penalizada. Apesar das presenças no Mundial 98 e no Euro 2000, a Jugoslávia falhou a qualificação para o Mundial, resultado, segundo Filipovic, de um mau começo da campanha de qualificação e de alguma infelicidade no play-off com a Eslovénia. E as perspectivas do treinador do Estrela Vermelha apontam para mais tempos difíceis. «A selecção atravessa neste momento uma transição de uma geração para a outra. Tem de recorrer a jogadores mais jovens, alguns do campeonato local, e é difícil encontrar foras-de-série. Há jogadores talentosos, mas que precisam de tempo.»

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