Quem estava no estádio De Kuip, em Roterdão, a 20 de junho de 2000, viveu um daqueles momentos que não se esquecem. Os habituais suplentes da seleção portuguesa iam destroçando a Alemanha, campeã europeia em título, com três golos de Sérgio Conceição, quando, a meio da segunda parte, Capucho fez passar a bola por entre as pernas do lendário Matthäus, para lançar mais um contra-ataque português. Nas bancadas, um silêncio vagamente embaraçado sublinhou o simbolismo da cena: uma pequena página tinha acabado de ser virada no futebol internacional. Num certo sentido, o processo de transformação do fussball, que culmina neste sábado, em Wembley, com a primeira final da Liga dos Campeões cem por cento alemã, começou precisamente aí.

Treinada por Erich Ribbeck, essa Alemanha somou apenas um ponto e um golo no Euro-2000: a pior prestação de sempre numa competição internacional. Soaram as campainhas de alarme, reforçadas pelo envelhecimento dos seus principais jogadores (Matthäus era o líder desse grupo, com 39 anos) pela falta de perspetivas de renovação e pelo sucesso de modelos como o da França e, em escala menor, Holanda e Portugal, que tinham como base sólidos projetos de formação.

Os efeitos da Lei Bosman tinham feito perder identidade a um campeonato onde o Bayern arrasava a concorrência, com quatro títulos nos cinco anos anteriores. As Ligas de Inglaterra, Itália e Espanha tinham uma dimensão global muito superior. Acima de tudo, sobrava a sensação de que o futebol físico, de linhas retas, praticado por atletas altos, loiros e saudáveis, já não dava todas as respostas necessárias.

Era preciso uma reformulação de ideias, métodos e estruturas, e o sucesso francês, ilustrado pelos títulos de 1998 e 2000, servia como um bom farol de referência. O desafogo económico na viragem do século ia viabilizar o resto mas, por estranho que pareça, face às ideias feitas, a revolução do futebol alemão começou por um gesto de humildade.

Voltar às raízes

A prioridade para a mudança foi rapidamente identificada e passava pelo reforço da qualidade de formação, numa espécie de regresso às raízes: . A criação de uma rede nacional de deteção de talentos era um primeiro passo, reforçado pela construção de estruturas técnicas onde os clubes pudessem enquadrar melhor o crescimento desportivo e social dos candidatos a profissionais, logo a partir dos 14 anos. Em paralelo, procedeu-se ao aumento e renovação do quadro de treinadores, abrindo portas à geração universitária.

As decisões estruturais foram tomadas logo em 2001, ano em que o Bayern deu o último título europeu a clubes alemães. Simbolicamente, só quatro jogadores nacionais figuravam no onze, e todos eles com mais de 30 anos. Mas a partir desse verão, por imposição da Liga profissional, em acordo com a federação, todos os clubes do escalão principal passaram a ter como condição de licenciamento a apresentação de uma Academia/Centro de estágio destinada à formação. Condições mínimas: três campos relvados e um artificial, dois deles com holofotes, vestiários, e estruturas de apoio, incluindo refeitório e postos médicos. As instalações, bem como as competências do staff técnico e médico seriam avaliadas regularmente, para definir a categoria (uma, duas ou três estrelas) e o nível de financiamento a receber. Um ano depois, a exigência estendeu-se ao escalão secundário.

Em paralelo, a Federação reforçou a rede de deteção de talentos precoces, construindo mais de mil campos comunitários, de dimensões reduzidas, para compensar o desaparecimento do futebol de rua e envolvendo mais de 20 mil professores para reforçar a integração do futebol no desporto escolar. Com as bases estabelecidas, e os objetivos definidos, restava esperar pelos primeiros frutos, que se tornaram visíveis para todos durante o Mundial 2006, seis anos depois do «túnel» de Capucho.