Marcelo Delgado procurava um treinador jovem e com formação superior. O currículo de Leonardo Jardim foi um dos que lhe veio parar à frente: contratou-o, e Chaves desconfiou. Carlos Pinto era dos mais velhos do plantel. «Era um desconhecido, só tinha treinado o Camacha e olhámos para ele de lado.»



Durou pouco. «Na primeira palestra deu-nos a volta. Disse claramente que o Chaves era um clube de passagem e que tinha ambições maiores. Disse-nos até que se em cinco anos, até aos 40, não chegasse à Liga, desistia do futebol e voltava para a vida dele na Madeira, para dar aulas e viver tranquilo.»

Marcelo Delgado corrobora. «Percebemos que não estava ali para enganar ninguém.» Mas houve mais. «Nos primeiros dias mostrou-nos o filme 300. No fim fez uma palestra sobre a necessidade de sermos solidários e respeitarmos o líder. Se nos ajudássemos uns aos outros, iríamos ganhar.»

Perfil: um homem nascido para treinar

O espírito de grupo estava garantido: e esse é um aspecto fundamental. «Ele não sabe trabalhar sem ser com grupos fortes», diz Fangueiro, que com ele alcançou a subida no Beira Mar. Carlos Pinto adianta outro pormenor. «Quando chegou, disse que ia avaliar o grupo e escolher os capitães.»

Durante duas semanas estudou o grupo. «O capitão era o Kasongo, mas ele escolheu-me a mim. Fiquei surpreendido, mas depois percebi: para ele o capitão é um adjunto, é a extensão dele no campo e no balneário. Fala com o capitão, exige-lhe, quer que seja a base que congrega o grupo.»

Fangueiro passou pelo mesmo no Beira Mar: mas ao avesso. «Eu e o Fary éramos os capitães na altura, mas ele nomeou o Hugo e o Artur. Fiquei chateado, nenhum capitão gosta de ser despromovido, mas depois entendi.» No Sp. Braga, por exemplo, passou a ser Alan pela saída de Vandinho.

A história do adeus difícil à Madeira

«Percebi que ele fazia aquilo pelo grupo, que éramos uma família e que era para o bem de todos. De Leonardo Jardim só posso falar bem, é um profissional a mil por cento. Come e bebe futebol o dia todo, consegue tirar o máximo rendimento do atleta, trabalha dentro do grupo e valoriza os jogadores», diz.

Fangueiro conta até um episódio curioso. «Quando chegou ao Beira Mar proibiu os dirigentes de entrar no balneário.» Ao sábado costumavam levar os filhos e os netos para o treino, os miúdos entravam no campo e chutavam as bolas. «Ele comprou um cadeado e fechava os portões do Mário Duarte.»

O extremo lembra até uma frase que o treinador repetia: «Aqui dentro não entra nada, somos só nós e somos uma família.» Carlos Pinto recorda outra: «Dizia constantemente que os resultados não são importantes, importante é o método. Se fizéssemos as coisas bem, os resultados apareceriam.»

Em Braga finalmente de corpo inteiro

O que leva a outra característica marcante de Leonardo Jardim. «Ele afasta os maus profissionais e apoia-se nos bons. Exige que façamos exactamente como ele quer, e se fizermos, temos tudo dele: ajuda-nos e se puder melhora-nos as condições de vida. Por isso quando muda leva vários jogadores com ele.»

De resto, é um exemplo. «Acho que nunca o vi berrar com um jogador», diz Fangueiro. «Ele não precisa de gritar, é um líder que se impõe naturalmente», reage Carlos Pinto. «É rigoroso, sério e metódico. Ninguém trabalha mais do que ele, por isso tem toda a legitimidade para exigir o mesmo dos jogadores.»

«Ele sabia tudo dos adversários, ao longo da semana passava as informações e antes do jogo recapitulava em powerpoint. Isto na II Divisão era impensável.» Por isso somou duas subidas seguidas, estreou-se na Liga e cumpriu em dois anos e meio a meta que definira para cinco. O futuro era promissor.