*Rui Catalão, serviço especial para o Maisfutebol na Holanda

"A vitória começa em Alkmaar"

A História ajuda-nos a perceber quem somos e para onde vamos. E, por vezes, basta um momento marcante para que à sua volta se construa toda uma identidade colectiva. É esse o caso de Alkmaar, cidade profundamente orgulhosa da resistência ao cerco feito pelas tropas espanholas entre Agosto e Outubro de 1573.
O triunfo dos rebeldes em Alkmaar acabaria por ser um ponto de viragem decisivo na Guerra dos Oitenta Anos, que mais tarde levaria à declaração holandesa de independência. Assim nasceu a frase que abre este texto, uma forma simbólica de a cidade reafirmar a sua importância perante o seu próprio país.

Mas o que tem isto a ver com futebol? Neste caso, a História ajuda-nos também a entender o que é o AZ. Demasiado perto de Amesterdão (apenas 40 km a noroeste) para ser mais do que uma força local, o clube sempre viu a sua área de influência limitada pela proximidade do gigante Ajax. Assim se percebe, por exemplo, que o estádio no qual a equipa principal jogou até 2006 (incluindo a famosa meia-final da Taça UEFA, em 2005, contra o Sporting) tivesse lugar para apenas 8914 pessoas.

O novo estádio tem o dobro da capacidade e os dirigentes do clube até andaram a planear expandi-lo para 30 000 lugares. Por enquanto, nada disso passou do papel. O que é compreensível, dados os problemas financeiros acentuados em 2009 pela falência do DSB Bank, que patrocinava o AZ e dava nome ao estádio. De certa forma, o título de campeão (o segundo da história do clube) conseguido meses antes mais pareceu um último suspiro numa espécie de era dourada do futebol em Alkmaar.

O AZ vive uma crise de identidade. A batalha entre as largas ambições e a verdadeira dimensão do clube – sobretudo quando comparado com o trio Ajax-Feyenoord-PSV – é há muito uma constante. A capacidade para atrair treinadores holandeses de topo (Louis van Gaal, Ronald Koeman ou Dick Advocaat) revela o lado mais requintado do AZ. A realidade mostra uma faceta mais dura, a de um pseudo-grande que acabou a época passada em décimo e que em 2014 ainda não esteve acima do sexto lugar (neste momento é sétimo).

Ainda por cima, à volta do clube está uma cidade com apenas 95 mil habitantes. Por comparação, em Enschede – onde mora um clube (Twente) de dimensão idêntica – há 158 mil pessoas. Amesterdão (810 mil), Roterdão (618 mil) e Eindhoven (220 mil) estão naturalmente ainda mais acima.

Pondo isto em perspectiva, toda a população de Alkmaar caberia no antigo Estádio da Luz. E mais cedo ou mais tarde os jogadores sentem que precisam de um espaço maior para crescer. Não raras vezes, o destino acaba por ser um dos (maiores) rivais holandeses.

Em busca de um troféu europeu

Aqui mora uma das três equipas dos quartos-de-final desta Liga Europa sem qualquer título relevante da UEFA – as outras são o Lyon (só com uma Intertoto) e o Basileia (nada mais que uma meia-final). Mas já esteve perto, muito perto.

Foi no ano de 1981, de longe o mais marcante da história do clube. Por um lado, sagrou-se campeão nacional pela primeira vez, com apenas uma derrota em 34 jornadas e mais 12 pontos do que o segundo (Ajax). Por outro, chegou à final da Taça UEFA e só não foi capaz de bater o Ipswich Town de Bobby Robson.

Depois de ter perdido 3-0 em Inglaterra, de pouco serviu ao AZ o 4-2 da segunda mão, no Olímpico de Amesterdão. Ao marcar em ambos os jogos, John Wark terminou a competição com 14 golos. O médio escocês do Ipswich igualou assim o recorde de golos numa só época em provas europeias, estabelecido por José Altafini em 1962/63 (Milan/Taça dos Campeões Europeus).

A saída anunciada de Advocaat

A pobre prestação no campeonato deixou há muito o AZ com as ambições reduzidas a duas competições. Na passada quinta-feira, a eliminação na meia-final da Taça da Holanda (0-1 em casa, com o Ajax) deixou a equipa com apenas um caminho para a felicidade: a Liga Europa.

O clima de tensão dentro do clube tem-se acentuado nas últimas semanas, com os adeptos também a reagir mal às fracas exibições e resultados. Após o título de 2009, o nível de exigência atingiu valores máximos.

Este fim-de-semana, o centro das atenções foi o treinador Dick Advocaat. Contactado em Outubro para substituir Gertjan Verbeek, o técnico holandês aceitou voltar atrás com a ideia de não trabalhar mais em clubes e assinou até ao fim da época. Durante algum tempo ainda esteve no ar a hipótese de renovar por mais um ano, mas no sábado foi tornada oficial a saída de Advocaat em Maio.

«Um bom lugar de seleccionador agrada-me», confessou Advocaat, que já orientou a Holanda, os Emirados Árabes Unidos, a Coreia do Sul, a Bélgica e a Rússia. «Depois do Mundial haverá várias selecções livres. Hei-de encontrar outra vítima.»

O conflito com o melhor jogador da equipa

Enquanto esse momento não chega, o treinador encontrou um alvo dentro do próprio clube, embora não pelas melhores razões: Aron Jóhannsson. O avançado de 23 anos tem 25 golos em todas as competições – quase um terço da equipa (80), mas isso não chega para satisfazer Advocaat. No jogo deste domingo, o internacional norte-americano (islandês de nascença) ficou no banco e, mesmo com 0-0 no marcador, só entrou aos 83 minutos.  Porquê? Advocaat dá a sua versão:

«Ele acrescenta pouco à equipa, por isso fica de fora. O que é que ele não faz bem? É melhor perguntar-me o que é que ele faz bem. Pouco. E por isso fica de fora.»

Os dois penáltis falhados por Jóhannsson em menos de uma semana (Zwolle/campeonato e Ajax/taça) não abonam nada a seu favor. Ainda assim, mais ninguém no AZ tem mostrado capacidade para ser um marcador de golos consistente. Agora resta ver se Advocaat mantém a mesma linha de pensamento ou se, pelo contrário, reconhece que precisa mesmo de pôr em campo o seu melhor avançado.

Este episódio é mais um obstáculo no caminho de um clube que ainda se olha ao espelho sem saber ao certo o que é. Perante um adversário faminto de conquistas, o conflito entre Advocaat e Jóhannsson pode ser o suficiente para fazer a diferença entre uma eliminatória equilibrada e uma desgraça.

Para o Benfica, a vitória tem tudo para começar em Alkmaar.