«É um génio, é a nossa luz. Quando brilha, todo o estádio se ilumina»

(Claudio Ranieri, comentando a influência de Mahrez na carreira do Leicester)

Entre o desfile de milagres, comebacks e desforras que constitui a odisseia do Leicester, a do argelino Riyad Mahrez andou algum tempo relegada para segundo plano. Sem dúvida por força da incrível história de vida de Jamie Vardy ou da ulrapassagem de Ranieri ao rótulo de perdedor.

O prémio de jogador do ano, atribuído no domingo pelos seus colegas de profissão, fez, no entanto, apontar os projetores para o extremo argelino, com potência máxima: Mahrez, que só aos 23 anos teve direito a estreia no primeiro escalão, superou os colegas de equipa e de milagre, Vardy e NGolo Kanté, além de Harry Kane (Tottenham), Mehmet Özil (Arsenal) e Dimitri Payet (West Ham). E, de passagem, tornou-se o primeiro jogador africano a ser distinguido desta forma no futebol inglês. Um estatuto que acolheu com evidente surpresa:

Muito justas, nas suas palavras, as referências a Drogba, ou a Yaya Touré, jogadores que, antes de Mahrez, deixaram marca profunda na Premier League. Também poderiam ter sido referidos outros nomes ilustres, como Adebayor, Essien, Kanu ou Yeboah, que anteriormente também deixaram um significativo rasto de talento numa competição que, com exceções pontuais, só nos anos 90 se abriu aos jogadores africanos. E isto sem esquecer algumas lendas do continente, como George Weah e Samuel Etoo, que chegaram ao futebol inglês no ocaso das carreiras.

Mahrez, de família argelina, mas criado em França, manteve a ligação às origens, apesar da dupla nacionalidade. É um caso flagrante de talento tardio: formado nos amadores do Sarcelles, nos arredores de Paris, só aos 20 anos teve direito ao primeiro contrato profissional, assinando pelo Le Havre, da II divisão francesa. E, mesmo aí, só aos 22 se fixou como titular, durante a temporada 2012/13.

Uma explosão invulgarmente tardia

Foi aí que começou a dar nas vistas, a ponto de despertar o interesse de clubes do segundo escalão inglês, entre eles o Leicester, que o contrata em janeiro de 2014, por apenas 400 mil libras (menos de meio milhão de euros). Em cinco meses, Mahrez contribui com três golos e um punhado de assistências para a subida à Premier League. Estreia-se pela seleção da Argélia, aos 23 anos, mas nem assim ganha estatuto no país de origem. O seu agente, Kamel Bengougam, insinua-se junto dos principais clubes franceses. E data dessa época uma rejeição arrogante do Marselha que, na pessoa do seu presidente, Vincent Labrune, responde a Bengougam com um mail que o agente viria depois a tornar público: «Acredita verdadeiramente que há lugar, no nosso projeto, para jogadores do Leicester?»

Mahrez não esqueceu a resposta, e às respostas que vai deixando em campo, semana após semana, nos relvados da Premier League, deixou uma, bem contundente, na recente entrevista à revista Onze Mondial: «Quando era miúdo queria jogar no Marselha. Mas agora estou-me nas tintas. Há demasiados jogadores a passar ao lado do reconhecimento em França», sublinhou. O quinteto de finalistas do prémio de jogador do ano da Premier League dá-lhe razão: além de Mahrez, também o seu colega dos foxes, NGolo Kanté (Caen) e o ex-marselhês Dimitri Payet (West Ham) passaram ao lado da consagração internacional nos relvados da Ligue 1 antes de se tornarem estrelas globais em Inglaterra.

O melhor de Mahrez no Leicester:

Europa segue a tendência

Se foi preciso esperar por 2016 para a consagração individual de um jogador africano na Premier League, convém sublinhar que essa está longe de ser uma tendência exclusiva do futebol inglês. Nas principais Ligas europeias, por exemplo, Alemanha, Itália e Espanha nunca distinguiram qualquer africano com o prémio para o melhor do ano. No caso da série A, por exemplo, no ano de 1995, em que George Weah (Milan) foi considerado o melhor jogador do planeta pela FIFA e pela France Football, o prémio interno para o português Paulo Sousa.

Em Espanha, onde até 2008 houve votações separadas para jogadores espanhóis e estrangeiros, nunca um africano foi distinguido, quer nas votações promovidas pela revista Don Balón, quer nas do diário El País, quer ainda nos prémios oficiais da Liga, coincidentes com a era de domínio absoluto de Messi e Cristiano Ronaldo.

As exceções, assim, resumem-se à Liga francesa, onde o maliano Salif Keita (que nos anos 70 jogou no Sporting) foi premiado em 1968 como melhor jogador estrangeiro, sendo o pioneiro numa lista que inclui mais nomes ilustres como Weah, Drogba, Essien ou Shabani Nonda. Ou, então, a ligas mais periféricas, como a belga (o marfinense Dindane, o marroquino Boussoufa e o congolês Mbokani premiados nos últimos 15 anos) ou a holandesa (o marroquino El Hamdaoui e o marfinense Bony). Em Portugal, pro fim, há o processo de descolonização a baralhar as contas: Eusébio ganhou por duas vezes o prémio do CNID, ainda no tempo em que Moçambique era colónia portuguesa. Rui Jordão, angolano de origem, foi distinguido em 1980, quando já tinha optado pela nacionalidade lusa. Depois, disso, mais ninguém.