Um ano depois há uma dor que pesa e uma memória a preservar. A Chapecoense está de luto e quis respeitar esse momento, sem grandes eventos a assinalar o aniversário da maior tragédia de aviação de sempre a vitimar uma equipa. 71 mortes, seis sobreviventes, um clube que se reconstruiu e muitas vidas afetadas pela tragédia.

Ao início da noite desta terça-feira foram-se juntando adeptos para uma caminhada até ao Arena Condá, o estádio da Chape, aberto todo o dia e destino de uma procissão e uma vigília para homenagear as vítimas.

Foi a 29 de novembro de 2016 (em Portugal, na Colômbia ainda era o dia anterior) e um ano depois, se a dor das perdas está muito longe de passar, o clube conseguiu começar de novo. Um ano depois, a uma jornada do final do Brasileirão está em nono lugar, já tem a presença na próxima Taça Sul-Americana assegurada e ainda uma hipótese remota de chegar à Libertadores, a principal competição sul-americana de clubes.

O Maisfutebol recupera em dez momentos o ano que passou para a Chapecoense.

Do milagre de Danilo

A Chapecoense tinha vivido menos de uma semana antes o maior momento da sua história. Uma defesa-milagre de Danilo salvou a meia-final com o San Lorenzo e colocou o modesto clube brasileiro, que apenas em 2012 estava na Série C e se estreou na primeira divisão em 2014, na final da Taça Sul-Americana.

A primeira mão da decisão frente ao Atlético Nacional seria na Colômbia. Naquela noite a comitiva fazia a viagem para Medellin, tendo feito escala na Bolívia. Eram 21h58 de 28 de novembro, 2h58 em Portugal continental, quando o voo 2933 da companhia LaMia se despenhou, já perto do aeroporto. Levava 77 pessoas a bordo, 71 perderam a vida.

Sobreviveram seis pessoas. Três jogadores: o guarda-redes Jakson Follmann, que teve parte da perna direita amputada e é hoje embaixador do clube, o defesa Neto, que está a recuperar mas ainda não voltou à competição, e o lateral Alan Ruschel, que regressou aos relvados em agosto, no Camp Nou. O jornalista Rafael Henzel e os comissários de bordo Ximena Suárez e Erwin Tumiri são os outros sobreviventes.

Entre as vítimas mortais, 19 jogadores e todos os 14 elementos da equipa técnica liderada por Caio Júnior, que nos anos 80 e 90 jogou em Portugal. Ainda 20 jornalistas, nove dirigentes, sete tripulantes e dois convidados. Entre os jogadores que não viajaram por não serem opção estava Marcelo Boeck, ex-jogador do Sporting e hoje no Fortaleza.

As homenagens

O acidente da Chapecoense sensibilizou o mundo inteiro. Entre tantas homenagens uma muito especial. A 1 de dezembro, no dia em que se jogaria a primeira mão da final, o Estádio Nacional em Medellin encheu, para assinalar o jogo que não houve. À mesma hora também 20 mil pessoas em vigília na Arena Condá, em Chapecó. O clube colombiano teve outro grande gesto, ao propor à Conmebol que o título de campeão fosse atribuído à Chapecoense. Assim foi. 

Porque caiu o avião e um processo que ainda não teve fim

O relatório preliminar das autoridades aeronáuticas da Colômbia apontou para a falta de combustível como causa para o acidente, não encontrando qualquer falha técnica. A companhia LaMia, de origem venezuelana mas na altura com sede na Bolívia, foi suspensa. Os processos de averiguação de responsabilidades ainda não terminaram. Decorrem investigações na Bolívia e na Colômbia, nomeadamente para apurar os reais proprietários da LaMia, para desespero das famílias das vítimas.

Dois meses depois, uma equipa nova e o regresso

A opção nunca foi posta em causa. A Chapecoense decidiu continuar, reconstruir. Com nova direção, fez de raíz um novo plantel, 37 jogadores entre mais de duas dezenas de reforços, entre eles Artur Moraes, ex-guarda-redes de Benfica e Sp. Braga, e atletas das camadas jovens. A 21 de janeiro fazia o primeiro jogo depois do acidente. Um particular com o campeão Palmeiras, que tinha sido o último adversário antes da tragédia, que terminou empatado a dois golos. A 29 de janeiro estreou-se no campeonato catarinense.

A estreia na Libertadores cheia de simbolismo

Em março, outro momento marcante. Como vencedora da Taça Sul-Americana, a Chape tinha entrada na Taça Libertadores 2017. A estreia foi frente ao Zulia, na Venezuela. Um momento cheio de simbolismo, a começar pela viagem de avião, que sobrevoou o local do acidente. A Chape venceu por 2-1, e a narrar os golos estava Rafael Henzel, o jornalista que sobreviveu ao acidente.

Campeão catarinense e Medellin em maio

A Chape festejou mesmo o título estadual de 2017, na decisão com o Avaí. Poucos dias depois decidia-se a Supertaça sul-americana, precisamente frente ao Atletico Nacional, vencedor da Libertadores 2016. A Chape venceu em casa por 2-1 e a decisão foi em Medellin. Seis meses depois do acidente, as duas equipas defrontaram-se finalmente. Uma jornada de emoções, marcada pela homenagem colombiana aos quatro brasileiros sobreviventes. Entre eles Neto, que se encontrou com os membros da equipa de resgate que o salvou dos escombros quando as esperanças de encontrar alguém com vida pareciam perdidas. Em campo, o Atlético Nacional venceu por 4-1 e ganhou o troféu.  

O adeus à Libertadores na secretaria

O ano da Chape ficou marcado também pela eliminação administrativa da Taça Libertadores. Em causa a utilização irregular de um jogador, Luiz Otávio, frente ao Lanús. O jogador estava suspenso, mas a Chape alegou não ter sido informada oficialmente e utilizou-o.

Homenagem no Camp Nou e digressão até ao Japão

A onda de solidariedade para com a Chapecoense correu mundo e a equipa recebeu muitos convites para jogos particulares. O momento mais marcante aconteceu a 7 de agosto, quando a Chape foi recebida no Camp Nou para o troféu Joan Gamper. Foi ainda ao Japão e também defrontou a Roma. Chegou a estar previsto que defrontasse o Benfica para a Eusébio Cup, mas acabou por cancelar, por não conseguir autorização para trocar datas do Brasileirão.

A luta das famílias das vítimas

Um processo como este tem sequelas, muitas. E as famílias das vítimas da tragédia procuram justiça. Organizaram-se até agora em duas associações, para lutarem em conjunto pelos direitos que defendem. Uma delas, a Abravic, mais focada na assistência imediata às famílias, assinou no final de outubro um acordo com a Chapecoense, que se comprometeu a transferir mensalmente 28 mil reais, cerca de 7 mil euros, para prover a necessidades prementes. A outra associação, a AFAV-C, tem-se centrado mais na questão das indemnizações e na complicada batalha legal que está longe do fim.

A festa pela permanência na Serie A

A Chape conseguiu a 16 de novembro o primeiro grande objetivo no Brasileirão, a continuidade na Serie A. Depois de uma época dura, que incluiu a passagem de quatro treinadores no banco, a festa foi bonita. Mas não fica por aqui. Em nono lugar a uma jornada do fim, a presença na Taça Sul-Americana está assegurada e uma combinação favorável de resultados na derradeira ronda ainda podia dar o sexto lugar, o último de apuramento direto para a Libertadores.