Um jogo como o Benfica-Sporting do passado sábado faz-nos acreditar que o futebol é mesmo um desporto especial.

Jorge Jesus diz que o futebol é diferente dos outros desportos «porque se joga com os pés». Não sei se a explicação será mesmo essa.

O que sei é que ver um espetáculo como o Benfica-Sporting chega para qualquer reconciliação que fosse preciso fazer com o «belo jogo».

Não foi só a qualidade «com os pés» dos artistas das duas equipas. Foi a emoção . A intensidade. Os golos de encher a vista. A incerteza no marcador. O duplo renascimento do Sporting. O último fôlego do ponto do Benfica, ajudado pelo momento bizarro do 4-3.

Cardozo deixou claro que é mesmo o goleador que faltava ao início de época do Benfica. William Carvalho reforçou a tese de que será a maior surpresa desta temporada no futebol português. Jorge Jesus afinou a nova tática revelada na Grécia. Leonardo Jardim voltou a provar ser um treinador que sabe ler o jogo , capaz de fazer as alterações certas.

Mas esta crónica não é uma análise detalhada ao Benfica-Sporting. Isso já foi feito, e muito bem,
aqui , pelo Nuno Madureira , e aqui , pelo Pedro Barbosa .

O que faz sentido, dias depois, é perguntar: será que merecíamos um Benfica-Sporting assim?

Há muitos jogos desinteressantes no futebol português? Certo. Mas um país onde acontece um duelo com aquela qualidade tem que ser incluído entre os que têm o privilégio de ter grandes equipas e espetáculos do mais alto nível.

É isso o mais importante a tirar daquele que terá sido um do melhores jogos de futebol praticados em Portugal nas últimas décadas. E, sem favor, uma das partidas mais excitantes que vi em três décadas, desde que acompanho, apaixonadamente, o desporto-rei.

Houve erros? Sim. Ainda bem: caso contrário, não tinha havido sete golos. No futebol, o mérito de uns é, de algum modo, o erro dos outros.

O que interessa é ver como cada equipa reage ao erro. E, nesse aspeto, o Sporting fez um jogo notável: reagiu ao 1-0 com o empate; renasceu do 3-1 para o prolongamento; retaliou o lance infelicíssimo de Rui Patrício, no 4-3, e quase levou a eliminatória para as grandes penalidades, com as oportunidades que teve para o 4-4.


Resvalar a discussão deste fantástico Benfica-Sporting para «a arbitragem» dá conta duma espécie de dualidade esquizofrénica que há muito se vive no futebol português: temos qualidade de topo (sim, já foi mais assim, e esta época está a mostrar sinais preocupantes na capacidade das equipas portuguesas lá fora, mas a verdade é que continuamos a ter qualidade de topo), mas não conseguimos passar a barreira de lançar as culpas para o árbitro.

Leonardo Jardim, nesse aspeto, merece elogios: ao considerar que deviam ter sido apontadas duas grandes penalidades a favor da sua equipa, ressalvou que «não foi por isso que o Sporting perdeu».

Mas as declarações dos jogadores do Sporting e, sobretudo do seu presidente, Bruno de Carvalho, reforçam a ideia acima exposta. Depois dum jogaço daqueles, falar-se da arbitragem é, isso sim, jogar bolas fora, depois de se ter estado tão bem dentro das quatro linhas. Um desperdício .

O pós-clássico revelou mais do mesmo: gente a recordar que «Duarte Gomes já se declarou adepto do Benfica»; análises à exaustão sobre este e aquele lance; batalhas nas redes sociais entre adeptos dos dois clubes; ataques verbais entre responsáveis de leões e águas.


Sobre «arbitragens», é muito poderosa a ideia de que «a arbitragem portuguesa é uma desgraça». Pode ser muito poderosa: simplesmente, não é verdadeira.

Recordemo-nos disto, por exemplo:



Aconteceu na Alemanha há mês e meio  e garantiu, na altura, a liderança provisória da Bundesliga ao Bayer Leverkusen. Sim, na Liga alemã, a mesma que produziu os dois finalistas da Champions 2013.

Se fosse em Portugal, o que diríamos todos? Pois é: «só no futebol português...»

Um duelo entre dois rivais eternos tem sempre muito disto. Sempre terá. Mas houve, no rescaldo deste super dérbi da Luz, uma sensação de que muita gente não percebeu o mais importante.

Talvez tenha ter que ser sempre assim. Mas é pena. 
 

«Nem de propósito» é uma rubrica de opinião e análise da autoria do jornalista Germano Almeida. Sobre futebol (português e internacional) e às vezes sobre outros temas. Hoje em dia, tudo tem a ver com tudo, não é o que dizem?