Na Amoreira, o FC Porto deixou a melhor exibição da época, até ao momento, nas provas internas. Esta não é uma opinião sustentada com base no resultado dilatado, já que uma das muitas maravilhas do futebol assenta na hipótese de uma equipa ser capaz de golear sem rubricar uma exibição notável. Aliás, a ideia de que foi a melhor exibição do FC Porto nas provas internas diz mais do nível exibicional do FC Porto nas provas internas do que da exibição do FC Porto na Amoreira.

Depois das sofríveis amostras contra Leixões, Chaves e Boavista, as expectativas roçavam mínimos pouco recomendáveis para um candidato a títulos, o que até levou Sérgio Conceição a recorrer à titularidade de um jogador que, nas últimas seis convocatórias, havia ficado cinco vezes de fora. Nico González, responsável pelos melhores minutos de um jogador do FC Porto no Estádio do Bessa, tendo entrado aos 69, assumiu o meio-campo ao lado de Alan Varela.

Sem querer descurar a importância de lançar dois médios que sabem tocar na bola, ainda sem vícios inerentes ao enfadonho papel de procurar a largura a toda a hora, estilo pára-brisas, ou a produção de Evanilson, empenhado em provar que vale mais só do que acompanhado por Toni Martínez, é de Wendell que quero falar. E claro que, para falar de Wendell, vale a pena falar daqueles que orbitam à sua volta, mas, antes, há que destacar Wendell. Wendell, por si. É que Wendell tem sido colocado na mesma prateleira de Zaidu, como se a diferença entre um e o outro se prendesse em detalhes quase invisíveis a olho nu, como se fosse ela por ela.

As dificuldades técnicas de Zaidu são tão evidentes que se manifestam nas recepções, nos passes, na condução de bola. Se Zaidu estivesse inserido num modelo de jogo especialmente pensado para beneficiar as suas características, as suas dificuldades técnicas atrapalha-lo-iam sempre na execução de tarefas que o futebol não dispensa. Na ideologia de Sérgio Conceição, revela-se limitado quando joga baixo, oferecendo a profundidade, daquele lado, a Galeno ou quando o chamam para se associar, em qualquer altura do campo; tem na definição uma das suas maiores lacunas; não marca diferenças no drible; faz-se valer da velocidade, que o ajuda a ajustar maus posicionamentos defensivos e a arrastar adversários ofensivamente, abrindo espaços à sua volta, que podem ser aproveitados pelos colegas.

Em suma, esta não é uma daquelas comparações em que o jogador, no caso, Zaidu, não se pode sentar na mesma mesa do outro, no caso, Wendell; esta é uma daquelas em que não pode, sequer, entrar na mesma frase. Sendo João Mendes um exemplo diferente, uma vez que a bola não o atrapalha, continua a estar longe de garantir a qualidade do lateral brasileiro.

Aos 30 anos, Wendell encontra na idade a maior resistência à sua regularidade - esta época, constou do boletim médico do FC Porto durante 46 dias, de 26 de Outubro de 2023 a 11 de Dezembro de 2023, perdendo 10 jogos do clube. Quer dizer, na sua idade e nas dúvidas de Sérgio Conceição, há quatro temporadas a acreditar que Zaidu tem condições para ser titular do FC Porto. Não posso deixar de manifestar alguma estranheza face a um treinador que confiou tantas vezes no talento de Zaidu e duvida tanto do talento de Nico González, que confiou tantas vezes no talento de Grujic (o FC Porto comprou o seu passe em definitivo por 9 milhões de euros) e duvida do talento de Vasco Sousa. São estilos. Sei.

Regressando a Wendell, que, pelo estilo, pode parecer um lateral somente talhado para buscar a profundidade e dar verticalidade à equipa, a verdade é que a sua energia e explosão enganam. Frente ao Estoril, deu qualidade à fase de construcção, meteu-se por dentro para lançar passes decisivos e proporcionou combinações com colegas aptos para combinar. Mesmo que estejamos a falar de uma das dinâmicas mais simples de executar, a sua eficácia requer inteligência. Com Wendell à esquerda e João Mário à direita, o FC Porto dispõe de dois laterais muito capazes de oferecer variabilidade à equipa em momento ofensivo, assim lhes seja concedida liberdade para tal. Os jogadores também são, até certo ponto, claro, o que os treinadores quiserem que eles sejam.

Ninguém acha que o plantel do FC Porto é o melhor da Liga, mas Sérgio Conceição, pelo esforço em não fazer coabitar os melhores jogadores, tem-lo feito parecer pior do que é.

Anexos

Anexo 1 - Jogada 52'

Perante a pressão do Estoril, Wendell mostra-se baixo, à largura, para dar opção de passe a Fábio Cardoso na fase de construção 
Wagner Pina pressiona Wendell de dentro para fora (ao mesmo tempo, Nico arrasta consigo Holsgrove)
De forma a bater a pressão, Wendell conduz a bola para terrenos interiores
Wendell ultrapassa Wagner Pina com a bola controlada e Nico, entendendo as intenções do lateral, movimenta-se à largura, continuando a arrastar Holsgrove e oferecendo espaço para Wendell conduzir
Com a chegada de Evanilson a zonas recuadas, está criada a triangulação, já que Nico prossegue a movimentação à largura, oferecendo linha de passe ao avançado do FC Porto
Evanilson já arrastou Pedro Álvaro consigo e Galeno arrasta Volnei Feltes, abrindo espaço para a condução de Nico. Depois de ter recebido o passe de Evanilson, que não chegou em óptimas condições, Nico ajusta a bola e prossegue o desenho ofensivo 
Em velocidade, Galeno ultrapassa Volnei facilmente e Nico deixa a bola para o extremo do FC Porto. Muitas das referências individuais do Estoril estão batidas - Volnei, Holsgrove e Pedro Álvaro recuperam posição - e Pepê tem via aberta para explorar a profundidade 
Galeno não ajusta a bola nas melhores condições e, perante Mangala, já solicita Pepê com um gesto de recurso
Está encontrada a vantagem para o FC Porto. Pepê e Francisco Conceição surgem em situação privilegiada para marcar
Pepê não executa o passe para Francisco Conceição nas melhores condições - saiu demasiado longo - e Dani Figueira chega primeiro à bola

Anexo 2 - Jogada 56'

O FC Porto monta a organização ofensiva para iniciar novo ataque 
Nota para o posicionamento de Evanilson, que surge na linha de Nico. Este é um posicionamento normalmente assumido por Mehdi Taremi 
Wendell recebe de Alan Varela e volta a assumir responsabilidades em fase de construção 
Wendell, de primeira, procura combinar com Evanilson. Depois de libertar a bola para o avançado do FC Porto, Wendell movimenta-se para zonas interiores 
O ligeiro toque de Evanilson para solicitar Wendell metido por dentro 
A combinação entre Evanilson e Wendell abre muito espaço no corredor central e esse espaço é aproveitado por Wendell. Ao mesmo tempo, Pepê já se prepara para ameaçar a profundidade 
Depois de conduzir a bola alguns metros, Wendell executa uma trivela para solicitar Pepê 
Pepê recebe aquela bola de Wendell, tendo já a cobertura ofensiva de Galeno, que vai arrastar os centrais do Estoril. Evanilson, que começou a jogada atrás, está já em zonas mais adiantadas 
Desta vez, Pepê temporiza, olha à sua volta e apercebe-se da chegada de Evanilson. Wendell chega a zonas de finalização ao lado do avançado do FC Porto 
Solicitado por Pepê, Evanilson deixa a bola passar-lhe entre as pernas, de forma a que chegue a Wendell
A jogada termina como começou, ou seja, com uma combinação inteligente entre Wendell e Evanilson 
Evanilson finaliza um excelente desenho ofensivo do FC Porto